"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

NÓS



A anedota que corria em meados do século passado – Deus justificando para um anjo surpreso porque beneficiou o Brasil com belezas e riquezas naturais em profusão: espera só ver o povinho que vou botar lá! – nunca pareceu tão verdadeira.

Favor não tocar. Imediatamente, seja tinta fresca ou frutas no mercado, temos uma enorme vontade de desobedecer. É proibido comprar tal remédio sem receita? "Ora, meu, isso é para os trouxas, eu compro o que quero e em qualquer quantidade".

Proibido o uso de celular no avião? Bem, aí, entra talvez a paura do avião cair. Mas mal abrem as portas do avião, a escada nem chegou a ser encaixada e o pessoal já está ligado no celular. O que será que falam tanto?

Horário de visita no hospital: de 1 às 3. Visita esbaforida: "Mas cara, são 3:08, quebra o galho, vai, é só um minutinho".

Conheci um sujeito, rico, instruído, que se gabava de trocar sapato usado uma vez se por acaso estivesse arrependido da compra. Tinha um truque para deixar a sola tinindo! Camisa usada, então? Brinquedo de criança! Precisava disso? Não. Mas, e o prazer que tirava de fazer o capiau da loja de trouxa?

Numa importante livraria do Rio tem um camarada que vai lá, pega o livro, lê um bocado, torna a colocar na prateleira e volta no dia seguinte para ler mais um bocado. Figura conhecida e tolerada porque mais vale aguentar o esperto calado do que suportar o escândalo que ele vai armar.

Washington. Estacionamos o carro, minha prima e eu, entramos lépidas no cinema. Ao sair, o susto. Carros de bombeiro, de polícia, a calçada cheia de gente."O que foi?", perguntamos assustadas para o guarda que não se contém: "O que foi? Foi isso!" E aponta indignado para um hidrante! Não nos aconteceu nada porque ela tinha passaporte diplomático, mas talvez para o bem de todos e felicidade geral da nação, devesse ter acontecido.

Missa de 7º dia. Igreja vazia. Vejo uma amiga à espera da comunhão. Sei que ela não vai nunca à missa, quanto mais dar uma passadinha para se confessar. Na saída não resisto e pergunto se ela se confessou. "Eu? Confessar? Eu, não. É que fiquei com pena da A** ver que não tinha ninguém comungando pela mãe dela...".

Pois é, somos assim.

Nossa incapacidade de respeitar leis, regulamentos, regras, ordens, nunca foi tão acentuada. O filme é proibido? "Nosso filho é alto, ele passa, vamos lá", diz a mãe para o pai na frente do garoto. E depois vão querer que o menino cresça um cidadão consciente? Vai crescer, sim, consciente de que os fins justificam os meios...

O STF condenou o Dirceu? Mas o que é isso? Onde já se viu semelhante desaforo? Vamos imediatamente organizar um almoço de desagravo, que isso não pode ficar por isso mesmo.

Você vem?

23 de novembro de 2012
Maria Helena RR de Sousa

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