"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O FÍGADO EM RECESSO


Salvo melhor juízo, o PT resolveu criar juízo, pelo menos provisoriamente, e adiar para Deus sabe quando, a divulgação do seu manifesto contra o STF criticando a condenação de algumas de suas eminências pardas no julgamento do mensalão.

Depois de conquistar a jóia da coroa - a prefeitura de São Paulo - numa eleição enfraquecida pela falta de entusiasmo dos eleitores, e de contrabalançar vitórias e derrotas em outros pontos importantes do País, o PT estava prestes a dar um sinal de inaudita arrogância, preparando um manifesto destinado a criticar a mais alta corte de Justiça pela condenação de alguns de seus membros mais históricos e eminentes.

Matéria publicada pela “Folha de São Paulo” de quarta-feira,1 de novembro, explica a decisão de adiar o manifesto atribuindo a um ministro petista a avaliação de que “a ordem é agir com mais cérebro e menos fígado”.



 Na verdade, toda vez que o partido se entusiasma com a falsa ilusão de que finalmente conseguiu a hegemonia política completa no país, a sua direção nacional mexe no embornal de ameaças e acena com manifestos como esse, ou com a iminência de um “controle social da mídia”, eterno sonho de uma noite de verão de uma ala do partido que ainda não aprendeu como é a convivência madura com a democracia.

Para não sair do terreno da própria esquerda e não correr o risco de ser linchado como um neoliberal - o verdadeiro monstro dos tempos modernos - vou buscar no ensaísta gramsciano Luiz Sergio Henriques, em artigo publicado no reacionário Estadão, um conselho sobre o qual os petistas mais ilustrados e letrados poderiam muito bem meditar:

“A esquerda não deveria “sofrer” a democracia como se fosse concessão penosa e temporária aos “inimigos do povo”, mas promovê-la, ao lado de outras tendências, inclusive moderadas e conservadoras, como conquista da civilização”.

Em palavras menos acadêmicas, se quisermos usar um pouco de irreverência realista, o que o ensaísta está tentando dizer a seus companheiros de esquerda do PT é “menos, rapaziada”.

Sim, o PT ganhou a Prefeitura que mais lhe interessava – é bem verdade que com um pouco mais de 39% dos votos das pessoas aptas a votar, e menos por grandes méritos seus do que por inadequação plena do adversário - mas perdeu outras em que seu líder máximo empenhou seus bigodes, como BH, Manaus, Recife, Campinas, Salvador (para só citar algumas) e na redistribuição de poder nacional o consórcio progressista/conservador que governa o País ficou mais ou menos do mesmo tamanho.

Nada que justifique ou sustente atos, gestos e bravatas de desprezo à democracia.

02 de novembro de 2012
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.

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