"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 2 de dezembro de 2012

POR QUE ISRAEL ATACOU GAZA... OUTRA VEZ?

 

Em entrevista depois do anúncio do cessar-fogo, o ministro israelense da Defesa Ehud Barak disse que: “Todos os nossos objetivos foram alcançados, acabar com os foguetes Fajr, plataformas de lançamento e escritórios do Hamás”. Mas em seguida, ele mesmo se autodesmentiu:

“E mesmo agora, nesse momento, tarde da noite, continuam a cair foguetes em território israelense. As comunidades do sul de Israel continuarão a ser atacadas nos próximos dias”. E, no frigir dos ovos, concluindo, Barak “agradeceu ao Exército de Israel e seus comandantes, e ao governo Obama pela ajuda para financiar o “Domo de Ferro” [antimísseis]”.

Pelo menos, não se vangloriou de ter assassinado 161 palestinos, no mínimo; entre os quais 71 civis.



À parte a evidência de que o ministro de Defesa de Israel não consegue engatar duas frases consecutivas sem se autodesmentir, o que, precisamente, os israelenses teriam conseguido nessa mais recente rodada de bombardeio assassino contra Gaza – e por que, para começo de conversa, lançaram esse novo ataque?

O ministro da Defesa diz que alcançaram “todos os seus objetivos”, a começar por “destruir os foguetes Fajr rockets”; em seguida, na linha adiante, admite que “os foguetes Fajr continuam a chover sobre Israel”. Quem produz essas história alucinadas? Quem acredita nessas conversas – por que se preocupar com isso? De fato, para quem tente entender o ataque israelense contra Gaza, o que digam os senhores-da-guerra de Israel não faz, mesmo, diferença alguma.

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ERRO IRRESPONSÁVEL

“Acho que Israel cometeu erro estratégico grave e irresponsável ao assassinar o comandante Jabari.” Não é avaliação feita por palestino, ou árabe, ou muçulmano, em artigo publicado por revista esquerdista, islamista ou anti-Israel. É a avaliação de Gershon Baskin, o negociador israelense que estava em contato com o Hamás; e essa avaliação foi publicada no New York Times. Baskin diz mais:

“Passando mensagens de um lado para o outro, constatei, pessoalmente, que o comandante Jabari não estava interessado apenas em algum cessar-fogo de curto prazo; foi também o homem encarregado de implementar outras negociações anteriores negociadas com a agência de inteligência egípcia. O comandante Jabari implantou e fez valer aqueles acordos de cessar-fogo só depois de confirmar que Israel, sim, concordara em suspender os ataques contra Gaza. Na manhã do dia em que foi assassinado, o comandante Jabari recebera minuta de acordo para um cessar-fogo de longo prazo com Israel – que incluía mecanismos para fiscalizar os movimentos e ações dos dois lados e assegurar o cumprimento do que fosse acordado. Essa minuta de acordo fora negociada por mim e pelo vice-ministro de Relações Exteriores do Hamás, Sr. Hamad, na semana anterior, quando nos encontramos no Egito.”

Assim, se Israel está de fato interessada em paz e em proteger seus próprios cidadãos, como Barack Obama e outros sionistas norte-americanos vivem a repetir que estaria, nesse caso por que assassinar a sangue frio a única pessoa capaz de construir paz efetiva e, imediatamente depois, lançar ataque massivo contra alvos civis, ataque que, sem possibilidade de dúvidas, desencadearia resposta de vingança feroz? Nada disso faz qualquer sentido.

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OCUPAÇÃO

Esse fato, agora corroborado por um alto funcionário israelense, expõe o contexto mais amplo no qual se vê que Israel se interessa por qualquer coisa, menos pela paz, conclusão inescapável e claramente evidente no assalto incansável contra terras palestinas, roubadas, de fato, dia a dia, todos os dias, sem que algum governo dos EUA ou a chamada “comunidade internacional” tenham jamais tido força para impedir a ação criminosa dos colonos israelenses, violentos, assassinos, verdadeiras gangues organizadas para roubar terras palestinas. Nada mais distante, portanto, dos planos de Israel que paz nem, sequer, algum arremedo de paz – o que se viu ainda recentemente na nova rodada de atrocidades contra Gaza.

Cada vez que há um ataque militar, contra o qual não se vê qualquer reação, é sinal de que, enquanto Israel bombardeia Gaza, em outros pontos da Palestina há israelenses roubando terras palestinas. As gangues de colonos vivem dia de ação intensa, sempre que há essas ‘operações militares’ israelenses: enquanto duram os ataques, o roubo de terras palestinas pode avançar sem qualquer tipo de obstáculo ou impedimento. Essa ação de roubo ininterrupto de terras – que se faz à luz da história – é absolutamente oposta a qualquer noção (ou desejo) de paz.

Obama gosta de repetir que os israelenses tem (teriam) o direito de se defenderem. É o mesmo que dizer que têm (teriam) pleno direito de roubar cada dia mais terra palestina, aterrorizar os palestinos e continuar a consolidar o estado de apartheid racista de Israel. É estado de apartheid tão racista que, enquanto Obama defende Israel, o próprio aparelho de propaganda e os próprios agentes de propaganda-em-chefe em Israel zombam, pelas redes sociais, do próprio Obama e fazem piada sobre a cor da pele do presidente dos EUA!

Será que a África do Sul também tem (teria) direito de defender o seu próprio estado racista de apartheid? Ou o sul racista dos EUA tem (teria) direito de defender o seu próprio estado de apartheid escravista? E a Índia tem (teria) também direito de pregar o fundamentalismo hindu?

Grande parte das pessoas que hoje vivem em Gaza provêm, de fato, de áreas que os sionistas hoje chamam de “Israel”. Tiveram suas terras roubadas e foram empurrados para um grande campo de concentração, no qual, hoje, são bombardeados pelos jatos de Israel. Israel controla todas as entradas e saídas e todas as fronteiras desse campo de concentração e decide, até, a quantidade de calorias que os homens, mulheres e crianças palestinos podem comer.

Hamid Dabashi é professor da cátedra Hagop Kevorkian de Estudos Iranianos e Literatura Comparada na Universidade Columbia, NY. Artigo enviado por Sergio Caldieiri.

02 de dezembro de 2012
Hamid Dabashi (Al-Jazeera)

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