"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

BUFÃO MAIS GERENTONA DE NADA E COISA NENHUMA...

 

                                   Mágicas fiscais e orçamentos da União
 
O filósofo Marco Túlio Cícero disse, 55 anos antes de Cristo, que "o orçamento nacional deve ser equilibrado e as dívidas públicas devem ser reduzidas...".

O pensamento volta à tona por ocasião do fechamento, meio Mandrake, das contas públicas de 2012. Para quem não se recorda, Mandrake, o mágico, é um personagem de história em quadrinhos que ostentava uma capa vermelha e se valia de uma técnica de hipnose instantânea. Quando preciso, transformava ameaças em flores.

No caso da política fiscal brasileira, o truque é outro.

Quando conveniente, o governo faz dinheiro aparecer. De forma simplificada, o Tesouro se endivida, envia o dinheiro para os bancos públicos e, depois, extrai deles recursos antecipados, justificando serem dividendos de balanços que nem sequer foram fechados.

Os recursos são registrados como arrecadação e o governo passa a ilusão de que "cumpriu a meta" que havia estabelecido para o superávit primário. Algo como uma "corrente da felicidade" em que a dívida é empurrada para terceiros.

De fato, acompanhar a execução fiscal e orçamentária da União está se tornando mais difícil a cada dia. Em 2013, por exemplo, são, no mínimo, "três orçamentos".

O primeiro é o Orçamento-Geral da União (OGU), que ninguém sabe exatamente quando será aprovado no Congresso Nacional. O segundo é proveniente dos R$ 42,5 bilhões de uma medida provisória editada no apagar das luzes do ano passado. E o terceiro resulta de aproximadamente R$ 175 bilhões de restos a pagar.

Quanto ao OGU, é otimista a expectativa de que seja aprovado nos primeiros dias de fevereiro. Afinal, assim que o Legislativo reiniciar suas atividades, haverá eleições internas. Além disso, serão retomadas as discussões sobre os 3 mil vetos, a distribuição dos royalties e a cassação, pelo Supremo Tribunal Federal, dos mandatos dos três deputados condenados no mensalão.

Independentemente da data de aprovação, a verdade é que houve grande retrocesso na transparência do Orçamento de 2013, pela redução do detalhamento das informações e o "esvaziamento do significado das ações orçamentárias", já que os títulos perderam "conteúdo e força descritiva", como concluiu nota técnica conjunta das consultorias de orçamento da Câmara e do Senado.

Também é notório que diversas iniciativas governamentais, como Brasil sem Miséria, Brasil Carinhoso, Mais Educação, Saúde da Família, Rede Cegonha, Brasil Sorridente, entre outros "nomes fantasia", não estão discriminadas no Orçamento, o que impede o seu acompanhamento pela sociedade.

O "segundo orçamento" decorre da Medida Provisória 598, publicada no Diário Oficial da União em 27/12/2012, que abriu créditos extraordinários de R$ 42,5 bilhões. Na prática, remanejou recursos, anulando e criando dotações, principalmente nas estatais, atropelando as prerrogativas do Legislativo - a quem compete aprovar o Orçamento.

O curioso é que o artigo 167 da Constituição Federal restringe

a abertura de crédito extraordinário a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade. Convenhamos, não é o caso.
 
O terceiro orçamento a ser monitorado é o dos R$ 175 bilhões de "restos a pagar". A situação chega a ser esdrúxula. Em 2012, considerados os investimentos da administração direta da União (excluídas as estatais), os valores pagos com o Orçamento do exercício somaram R$ 21,6 bilhões, enquanto os restos a pagar pagos totalizaram R$ 25,3 bilhões.

Assim, o total desembolsado em 2012 (Orçamento do ano + restos a pagar pagos) foi de R$ 46,9 bilhões. Paradoxalmente, teremos cerca de R$ 71,8 bilhões de restos a pagar de investimentos inscritos/reinscritos para 2013.

A estimativa é de que sejam também transferidos para 2013 cerca de R$ 77 bilhões de restos a pagar de "outras despesas correntes" e aproximadamente R$ 23 bilhões de "inversões financeiras". O "estoque" global de restos a pagar só não chegará aos R$ 200 bilhões porque o governo, nos primeiros dias deste ano, anulou empenhos, sobretudo de "outras despesas correntes", reduzindo a bolada de anos anteriores transferida para 2013.

Se já não bastasse a "contabilidade criativa", há, ainda, a "contabilidade retroativa".

Desta forma, o Orçamento é administrado pelo retrovisor. O Legislativo aprovará o de 2013, mas o Executivo tocará, prioritariamente, as pendências de anos anteriores. Como não há dinheiro suficiente para ambos, os gestores continuarão a viver a "escolha de Sofia". Se for muito urgente, quitam os restos a pagar.

Se for politicamente interessante, tocam as novas iniciativas.

Com essas práticas o governo fere diversos princípios orçamentários clássicos, como os da prévia autorização, anualidade, clareza, especificação e publicidade. Esse conjunto de proposições orientadoras deve balizar os processos orçamentários com o objetivo de dar-lhes estabilidade e consistência, sobretudo no que se refere à sua transparência e ao seu controle pelo Legislativo e pelas demais instituições da sociedade.

Diante desta "babel orçamentária" e de tantas maquiagens, o governo corre o risco de transformar em pó a credibilidade da execução orçamentária e da política fiscal. Como aconselhava Cícero há 2 mil anos, as contas públicas precisam ser equilibradas e o endividamento, contido.

De preferência, sem mágicas e abracadabras.

Gil Castello Branco
*Economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas
21 de janeiro de 2013

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