"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 20 de janeiro de 2013

MAIS AÇÃO, MENOS DISCURSO, PARLAMENTARES

 

Não é de hoje a impressão de que, por aqui, o trem do Legislativo corre sobre os trilhos do Executivo. Noutros termos, o Poder Legislativo é refém do Poder Executivo, em confronto com os princípios constitucionais da harmonia, autonomia e independência dos Poderes.
A imagem ganha corpo ante a vocação legislativa do Executivo, que se materializa em edições sucessivas de medidas provisórias pelo presidente da República.

A banalização do uso de MPs, deixando de lado a relevância e a urgência expressas na Constituição Federal, acentua o caráter imperial do presidencialismo e expande a convicção de que se cultiva, no Brasil, um “parlamentarismo às avessas”, modelagem enviesada que lembra a monarquia parlamentar de Pedro II.

Nos idos de 1847, sob o manto do poder moderador, criava o imperador um Conselho de Ministros, à semelhança do modelo inglês, para exercer funções do Executivo, assumindo ele, também, a prerrogativa de escolher o primeiro ministro.

Este organizava as eleições (que sempre ganhava), conferindo ao soberano a condição de Todo Poderoso. Eis o chiste da época: “na Inglaterra, a rainha reina, mas não governa; no Brasil, o rei reina, ri e rói – reina sobre o Estado, ri do Parlamento e rói o povo”.

Hoje, a imagem da inversão parlamentarista volta à baila com a percepção de que o Executivo governa com as leis que, ele mesmo, estabelece.

Não sem razão, a imagem do Legislativo é a mais borrada no cenário institucional. Basta compará-la com a de outros Poderes.

De um lado, desponta a extraordinária força do Executivo, que canaliza os efeitos das políticas sociais e econômicas, propiciando a elevação da figura presidencial aos píncaros da admiração popular.

De outro lado, vê-se o prestígio do Poder Judiciário, o mais sagrado no sistema cognitivo da sociedade por conta da missão de administrar e distribuir a justiça.

Nos últimos tempos, coroando o reconhecimento público, o Judiciário cumpriu extensa pauta de decisões sobre matérias de impacto social, fechando um ciclo de fama com a Ação Penal 470 (mensalão) e expandindo a visibilidade, a ponto de conferir alta popularidade aos seus componentes.

Esses traços contribuem para empanar o retrato do Legislativo. A par da bateria crítica que corrói a imagem de atores que balizam suas práticas nas mazelas da política (patrimonialismo, mandonismo, coronelismo, fisiologismo, nepotismo), o conjunto parlamentar mostra-se débil em algumas frentes.
Na esfera do Orçamento que passa por seu crivo, a prerrogativa de liberar recursos é da Chefe do Executivo. Com o “poder da caneta”, só com sua assinatura, chegará às bases dos parlamentares o dinheiro a elas destinado.

Como se pode aduzir, há forte desequilíbrio na balança dos Poderes. O nó da questão pode ser cortado pela espada do próprio Legislativo.

No caso das Medidas Provisórias, basta analisar sua pertinência e, ainda, expurgá-las de matérias exógenas que escapam ao seu objeto. Como se sabe, as MPs dão carona a uma pletora de temas estranhos à sua finalidade.

No caso do Orçamento, basta que o Parlamento aprove emenda alterando sua natureza, de autorizativo para impositivo, pelo qual os recursos aprovados não carecerão da caneta presidencial para chegar ao destino.

E por que essa decisão, que parece tão simples, não entra na pauta? Por não ser do interesse do Executivo.

Cavalo comedor, cabresto curto. Sob esse axioma, embutem-se as metas de pleno controle do Orçamento, dos fluxos de caixa do Tesouro e, por fim, da estratégia de controlar os painéis de votação nas casas congressuais.

Afinal, administrar a parte mais sensível ao corpo parlamentar – verbas para as bases –faz parte da engenharia que mantém insuperável a capacidade do Poder Executivo de manobrar as rédeas do Parlamento. Por todos os lados, transparece o poder descomunal do Executivo.

Mas há facetas que apresentam grau menor de dificuldades operacionais e estão a merecer tratamento prioritário por parte do Legislativo. Uma delas é o vácuo infraconstitucional que se criou, a partir da Constituição de 1988.

Apesar da incrível marca de mais de 3,7 milhões de leis (há dois anos, o numero era de 3.776.364), o arcabouço legislativo está inconcluso. Ainda resta apreciável numero de dispositivos (cerca de 140) para ser regulamentado.

Quando se atribui ao Poder Judiciário usurpação da função legislativa – pelo fato de interpretar a Constituição e ser acusado de invadir os domínios do Parlamento– esquece-se que a “judicialização da política”, como se batizou o fenômeno, decorre também de buracos constitucionais não fechados.

Eventuais tensões entre os dois Poderes se ancoram na omissão do corpo parlamentar no capítulo da legislação infraconstitucional a ser completada.

Distorções, vazios e desequilíbrios entre Poderes não constituem matéria nova. Deputados e senadores conhecem sobejamente os vãos e desvãos das cúpulas côncava e convexa do Congresso. O que parece faltar é coragem de avançar.

Daí o flagrante descompasso entre o andar social, rápido e solto, e o lento caminhar do corpo parlamentar. Não por acaso, aponta-se grande distância a separar a esfera política da sociedade.
Pretende o Parlamento melhorar sua imagem perante a sociedade? Basta tomar atitudes. Assumir os princípios constitucionais da independência, harmonia e autonomia. Fechar os buracos abertos desde 1988.

Respirar o ar das ruas. Gravar o eco dos grupos organizados. Reformar a pauta de costumes rotineiros. Se for preciso, cortar a própria carne.

A reforma política deve deixar o plano da retórica. Perguntaram, uma vez, ao grande Demóstenes (384-322 a. C.), famoso pelo dom da oratória: “qual a principal virtude do orador”? Respondeu: “ação”. E depois? Voltou a repetir: “ação”.

Sabia ele que essa virtude, própria dos atores, era mais nobre que a eloquência. A razão? Porque é o motor da Humanidade. Mais ação, senhores parlamentares.

20 de janeiro de 2013
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

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