"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 16 de março de 2013

NOTAS E OBSERVAÇÕES POLÍTICAS DO JORNALISTA CARLOS CHAGAS

VALE À PENA AGUARDAR

Morris West, em duas de suas ficções religiosas, demonstrou peculiar premonição ao escrever, primeiro, sobre um cardeal russo preso num campo de concentração na Sibéria, em pleno regime comunista, liberado para participar de um conclave onde acaba sendo eleito Papa.
Sua grande iniciativa foi mandar vender os tesouros do Vaticano para aplacar a fome na China e evitar a Terceira Guerra Mundial.
O livro saiu no final da década de cinqüenta, muito antes que Karol Woitila, egresso da Polônia e não da União Soviética, assumisse o trono de São Pedro, mesmo sem ter alienado as riquezas eclesiásticas.

O outro livro, escrito vinte anos depois, contava a história de um cardeal argentino que também se torna Papa, no início do Terceiro Milênio, abrindo as portas da Igreja para o combate à pobreza e a sua adaptação às realidades do mundo moderno.
Acertou na mosca o genial escritor, ainda que dificilmente o Papa Francisco I venha a patrocinar mudanças no celibato, no casamento ou na proibição da ordenação de mulheres.

Mesmo assim, as coincidências são olímpicas nos dois casos, afastando-se a hipótese de West ter sido vidente ou feiticeiro capaz de prever o futuro. Apenas, teve imaginação e bom-senso.

Estas considerações se fazem a respeito dos episódios verificados na Santa Sé, esta semana. A eleição do cardeal de Buenos Aires e suas primeiras intervenções revelam uma personalidade voltada para a correção das desigualdades sociais no planeta e boas doses de humor, sem o qual seria capaz de igualar-se a tantos Papas insípidos, hesitantes e desligados da realidade em que viveram. Há quem exija de Francisco I, desde já, definições que ainda não pode tomar e decisões que não tomará. São os sonhadores que acreditam em milagres.

Sua escolha, devemos reconhecer católicos e agnósticos, pode exprimir um passo à frente na trajetória da Igreja que vai ficando para trás. Vale inicialmente perscrutar o que não fará. Por certo não irá conspirar com o presidente dos Estados Unidos nem com o diretor-geral da CIA para derrubar algum regime hostil aos mandamentos eclesiásticos.

Também não deverá continuadamente percorrer o planeta em muito mais do que oitenta dias, forma de compensar omissões diante da aceitação de práticas medievais, como calar pela força questionadores da doutrina e de dogmas arcaicos. Não se fechará nos luxuosos palácios para procurar nos livros respostas que apenas o contacto com a miséria poderá fornecer.

Talvez seja um sonho de noite de verão imaginar Francisco I aproximando-se mais de João XXIII do que de Pio XII, João Paulo II ou Bento XVI. O argentino sabe, como o caminhante, que não há caminho, pois o caminho se faz ao caminhar. É conservador, dizem que até meio reacionário. Caso contrário não teria sido eleito. Mesmo assim, até por ser o primeiro jesuíta a chegar ao Papado, traga com ele a obstinação e a malícia da Companhia de Jesus. Vale à pena aguardar, fazendo votos para que seja simples, jamais simplório.

FELICIANO INFELIZ
A insistência com que o deputado Marco Feliciano agarra-se à direção da Comissão de Direitos Humanos da Câmara faz pensar que o milionário pastor tem em vista algo mais do que defender minorias e vítimas da truculência dos dias atuais. De Sobral Pinto a Nilmário Miranda, ninguém enriquece patrocinando perseguidos. É bom tomar cuidado para ver onde o parlamentar quer chegar.

DE DERROTA EM DERROTA
Dilma Rousseff cedeu a mais três pressões ao anunciar, ontem, as primeiras mudanças no ministério. Ficou demonstrado que o PMDB faz o que quer, pois, para começar, impôs a substituição do ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, da bancada gaúcha do partido, pelo presidente da seção de Minas Gerais, Antônio Albuquerque.

Depois, Michel Temer, em nome do partido, exigiu para Wellington Moreira Franco um cargo mais substancial que o de Assuntos Estratégicos, indo o ex-governador do Rio para Secretaria da Aviação Civil. Por último, Dilma humilhou Brizolla Neto, do PDT, a quem nomeara meses atrás, despedindo-o do ministério do Trabalho e trocando-o por Manoel Dias, exigência de Carlos Lupi, presidente da legenda, há um ano demitido por corrupção do mesmo ministério.

Convenhamos, nenhuma das três alterações modifica uma vírgula na performance do governo. Em matéria de eficiência, nota zero. A pasmaceira continuará igual, com os dirigentes dos dois partidos sendo atendidos fisiologicamente e indicando seus preferidos acima e além do interesse público.

Tudo indica que o próximo passo nessa lambança será a devolução do ministério dos Transportes ao PR, depois da demissão de seu presidente, também por corrupção, há pouco mais de um ano. Como o recém fundado PSD quer grandes espaços, continuarão as conversações de Dilma com seu presidente, ex-prefeito de São Paulo, para emplacar o trígésimo-nono ministro como preliminar da conquista do quadragésimo. Loucura, como acabou de dizer o empresário Jorge Gerdau.

O governo virou um balcão de negócios, ou melhor, já era desde o momento em que o Lula nomeou a metade do ministério da sucessora. Longe de pensar na melhoria de seu governo, a presidente troca funções administrativas por imaginárias garantias de apoio à sua reeleição. Vai acabar pendurada no pincel, sem escada…

16 de março de 2013
Carlos Chagas

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