"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 2 de julho de 2013

LULA VERSUS DILMA



RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
Há uma pedra barbuda no escarpim de Dilma Rousseff, furando a meia-calça. Lula é seu nome.
O maior líder popular do Brasil sumiu, escafedeu-se, silenciou sua voz rouca, justamente nas semanas em que o povo acordou da letargia para protestar contra uma herança maldita.

Por que se calou o grilo falante em todas as celebrações de conquistas no país e no exterior? Só aparece na boa?

Por que Lula finge que nada é com ele? Por que o criador evitou apoiar a criatura no auge da crise? Por que ficou mudo e invisível, quando a turba se insurgiu, e brasileiros de todas as idades passaram a falar, gritar, discutir e analisar, mesmo aos tropeços e sob o risco de errar?

O Lula que se metamorfoseou em oito anos de mandato e rasgou a bandeira da ética na política...

O Lula que suspendeu suas férias para defender o ex-presidente do Senado sob o argumento de que “Sarney não pode ser julgado como homem comum”...
O Lula que se locupletou com o corrupto-mor Maluf para eleger Haddad, “o novo”...
O Lula que se uniu “aos picaretas do Congresso”...
O Lula que quis reeditar a CPMF, uma taxa que antes chamava de extorsão...
Esse Lula não põe seu bloco na rua numa hora dessas?

Por lealdade, deveria ter dado o braço a Dilma. Afinal, ela chefiava sua Casa Civil e só concordou em disputar a Presidência porque, sem Dirceu nem Palocci, Lula impôs seu nome.

A técnica Dilma, a gerentona, a ex-guerrilheira, talvez um dia escreva um livro sobre sua relação com Lula.

Por mais responsável que seja, como presidente, pela explosão da insatisfação no Brasil, Dilma sabe bem quem a colocou nessa roubada de “mãe do PAC”.

Sabe que recebeu uma herança de corrupção, impunidade, abuso de poder, desvio de verba pública, falta de representatividade dos partidos, péssima qualidade de serviços essenciais, impostos absurdos, altos salários e mordomias dos burocratas dos Três Poderes, cinismo e oportunismo de governadores e prefeitos. O Brasil já era assim quando ela foi eleita.
Por que o criador evitou apoiar a criatura justamente no auge da crise? Por que ficou mudo? 
 
O Lula presidente se lamentava da “herança maldita” de Fernando Henrique Cardoso. Dilma não pode dizer nada nem parecido. Lula teve oito anos para mudar o caráter do Brasil para melhor. Tinha tudo. Tinha uma história de defesa da liberdade e dos direitos humanos, tinha credibilidade e a legitimidade do voto, tinha nas mãos a esperança de tantos jovens aglutinados pela estrela do PT. E por tantas bandeiras no ar. A ética. A educação e a saúde de qualidade ao alcance de todos. As creches, o transporte de massa. Mas Lula achou que o Bolsa Família seria suficiente.

Os jovens que protestam agora, em paz ou com raiva, mal chegavam aos 10 anos de idade quando a eleição de Lula emocionou o Brasil.

A geração YouTube deveria rever a bela cerimônia em que FHC passou o poder a Lula. Se, na última década, a oposição fracassou com a juventude, imagine a autocrítica do PT. Um partido que inchou com siglas infiltradas e perdeu companheiros de raiz. Uns saíram por racha ideológico, outros por convicção de que nada mudaria na essência, e outros ainda porque foram processados, cassados e condenados.

Os jovens brasileiros de 16 a 18 anos, para quem o voto é facultativo, se afastaram das urnas e, até umas semanas atrás, pareciam alienados. Eles não acreditam nos partidos. Quem de bom-senso ainda acredita, a não ser os que ganham o pão – e os dólares – com a política partidária?

Por isso a ideia de candidatura avulsa, endossada pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa, ganha força. Joaquim defendeu um “recall” nacional dos políticos. Já pensou se os eleitores passam a ter o direito de revogar mandatos e de expulsar políticos de cargos? Renan continua com aquele sorrisinho pregado no rosto em todas as fotos. Até quando, Calheiros?

Na semana passada, Dilma virou a Geni. Tudo que disse e desdisse levou pedra de aliados e oposicionistas. Uns vândalos. Constituinte, plebiscito, referendo, pactos, apelos, nada pegou bem, nem com a maquiagem e o penteado que custaram R$ 3.125.

A presidente está isolada por seus pares e ímpares. Sua sorte é que, até agora, não há líderes oposicionistas com discurso consistente para o futuro do país. Aécio Neves converteu-se a uma pálida sombra do que poderia ser. Marina Silva virou uma analista em cima do muro, com o aposto de “evangélica”. Eduardo Campos desistiu do combate às claras e age nos bastidores à espera de uma derrapagem fatal.

E Lula... Bem, Lula recebeu alguns jovens em seu instituto.

A aliados, diz-se que acusou Dilma de cometer “barbeiragens” na articulação e na resposta à nação. Lula é hoje a pedra mais incômoda no sapato alto da presidente.

02 de julho de 2013
RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA

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