"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 2 de julho de 2013

CAUSA E DEVER: UM RASCUNHO


          Artigos - Cultura 
Não tenho nem defendo nenhuma “causa”. “Causa”, por definição, é uma meta coletiva a que o indivíduo serve sem ter nenhum controle de para onde ela vai, mas confiando que irá na direção dos seus sonhos, e portanto assumindo uma responsabilidade que mais tarde, se a coisa acabar tomando um rumo indesejado, ele negará com todas as suas forças.

A causa de hoje é a mentira existencial de amanhã. Todos os adeptos de causas, depois de um tempo, se dizem traídos. Nenhum acusa a si próprio de haver engrossado um coro sem ter a certeza de como a música iria terminar. Nem mesmo o compositor e o regente admitem a culpa dos resultados, preferindo jogá-la sobre as costas dos músicos e dos cantores, dos quais cada um, por sua vez, inocenta a sua participação alegando que foi ínfima, como se todas as totalidades não resultassem da soma de muitos ínfimos.

Toda causa é uma comédia até o momento em que se transfigura em tragédia. Então os comediantes saem correndo para todos os lados, em busca de desculpas e subterfúgios, tentando atenuar a tragédia com uma segunda comédia.
Da minha parte, rejeito, abjuro e desprezo todas as causas, principalmente aquelas que se revestem de uma linguagem pungente e fazem bater os corações.
Ao invés de diluir minha responsabilidade pessoal nas águas de um rio que não sei para onde vai, prefiro assumi-la integralmente e, em vez de servir a uma “causa” anônima e coletiva, cumprir um dever que é o meu e de mais ninguém.
O dever que assumi pode ser assim dividido em subdeveres, do mais geral para o mais particular:
1. Buscar a verdade da existência e, gradativamente (porque ninguém é de ferro), integrá-la na minha vida de todos os dias.
2. Expor com clareza e sinceridade os resultados da minha busca, por modestos que sejam, enfatizando seus limites e deixando espaço para correções possíveis.
3. Fornecer a um grupo mais próximo de pessoas – leitores e alunos – os instrumentos de que precisem para entregar-se a busca semelhante.
4. Educar o maior número possível de brasileiros para que possam talvez, amanhã ou depois, restaurar a cultura nacional e tirar o país da abjeção intelectual e moral em que mergulhou. Caso não possam fazê-lo, pelo menos cada um terá saído pessoalmente do lamaçal.
5. Analisar periodicamente a situação política e cultural do país, para que os melhores esforços não se dissolvam no vendaval de alucinações em que se tornou o “debate nacional”.
Se, nos resultados do meu trabalho, algum servidor de uma “causa” julgar que encontrou algo que seja útil a ela, que faça bom proveito, mas não me inscreva nela, por linda e promissora que pareça. Faço a minha parte sem expectativa nenhuma de que se integre numa corrente maior e produza resultados que estão além da minha competência e até da minha imaginação.


02 de julho de 2013
Olavo de Carvalho

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