"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 2 de julho de 2013

O GOLPE DA CONSULTA POPULAR

O PT tenta imprimir verniz democrático à ideia, mas o objetivo de plebiscito é dar mais dinheiro ao partido e instituir o voto de cabresto
 
 Depois de ter de recuar da tentativa desesperada de convocar uma assembleia constituinte, o governo decidiu propor a realização de um plebiscito para fazer uma reforma política.

A diferença entre as propostas é que a primeira afrontava a democracia de forma explícita e a segunda é um golpe disfarçado. Ambas, porém, têm os mesmos propósitos: desviar o foco das manifestações e servir ao projeto de poder do PT.
 
Pelos planos do governo, a consulta popular ocorreria em agosto e teria o resultado homologado no início de outubro. Assim, as regras já valeriam para as eleições de 2Ò14. Se emplacar sua manobra, o PT terá os seguintes motivos para comemorar:
 
Será o partido cujo caixa receberá mais dinheiro público. Embutido na proposta de reforma política do governo está o obsessivo desejo do PT de impor o financiamento — exclusivamente — público de campanha. Pelo modelo, pessoas e empresas continuarão a poder fazer doações, mas para um fundo, sem escolher destinatários. O dinheiro será dividido conforme a votação do partido na eleição anterior. Se o sistema for adotado em 2014, com o quadro eleitoral mais provável. Dilma terá quase 70% do bolo: 67,59%.
 
 A candidatura de Marina Silva estará praticamente enterrada: pelas mesmas regras, a ex-senadora, que teve 20 milhões de votos em 2010. mas que agora tenta criar um novo partido, ficaria com ínfimo 0.16% do dinheiro público. Com a campanha inviabilizada, deixaria de ameaçar a liderança de Dilma. Aécio Neves (PSDB) teria direito a 21.77% do dinheiro e Eduardo Campos (PSB). a 6.56%.
 
 A institucionalização do voto de cabresto. O PT defende o voto em lista fechada para o Legislativo. Por esse método, o eleitor não vota em candidatos, mas na sigla. Traduzindo: os caciques petistas indicam os candidatos a deputado e depois chamam o povo para pagar a campanha. É muita cara de pau.
 
 À custa dos cofres públicos, Luiz Inácio Lula da Silva aparecerá na TV como garoto-propaganda do PT. O partido planeja aproveitar o tempo dos programas de televisão destinados à discussão das questões do plebiscito para fazer propaganda do governo e atacar adversários, com o ex-presidente no comando do show.
 
 Desde maio, o presidente do PT, Rui Falcão, tenta coletar assinaturas para apresentar esse mesmo projeto de reforma política no Congresso.
O argumento que colore os cartazes é que a reforma reduziria "a força do poder econômico" nas eleições, já que acabaria com as doações de bancos e empreiteiras — apontados como os vilões da corrupção. Ocorre que, como sabe muito bem o PT.
 
Lula é hoje o maior amigo das empreiteiras, em cujos jatos viaja e para cujos interesses faz um descarado lobby.
"O maior problema de corrupção eleitoral do Brasil vem de recursos que entram pelo caixa dois", lembra o professor de direito eleitoral Carlos Gonçalves Júnior, da PUC de São Paulo. Nenhum país adota o sistema defendido pelo PT.
 
A Dinamarca. a nação menos corrupta do mundo, não restringe o financiamento. mas fiscaliza o uso do dinheiro e pune quem o desvia — estas, sim, medidas efetivas de combate à roubalheira. Para levar ao Congresso a proposta apresentada por Falcão, o PT precisa de 1,4 milhão de assinaturas. Só conseguiu 120000. A ideia do plebiscito não passa, portanto, de uma tentativa de driblar a falta de apoio popular à iniciativa.
 
 Não fosse o oportunismo escancarado da proposta, a própria iniciativa do plebiscito já e" uma farsa. "Nesse tipo de processo, há um risco muito grande de o povo ser usado para legitimar as posições do plantonista no poder. Ditadores sempre se valem de plebiscitos", alerta Carlos Velloso, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal.
 
O fato de a reforma política ser um assunto complexo, com o qual a população não tem familiaridade, aumenta ainda mais o risco de a consulta popular ser manipulada a ponto de ganhar o lado que tiver contratado o marqueteiro mais competente. Por mais necessária que seja, e com isso concordam todos os partidos e todos os governos, a reforma foi um tema rarefeito nas manifestações.
Os brasileiros não clamam pela reforma política, mas pela reforma ética dos políticos.

02 de julho de 2013
Pieter Zalis - Veja

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