"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A DOCE PRIMAVERA NA LÍBIA: 53 CORPOS DE PESSOAS EXECUTADAS

Encontram-se mais 53 corpos de pessoas executadas pela doce “Primavera” na Líbia… Governo de Transição suspende exposição turística dos corpos de Kadafi e de seu filho

Pois é… Pedem agora uma investigação sobre a as circunstâncias das mortes de Muamar Kadafi e de Mutassin, seu filho, a Comissão de Direitos Humanos da ONU, a Anistia Internacional e a Human Rights Watch. Demorou um pouquinho para cair a ficha, né? Quando a imprensa mundial — e também a brasileira, com as exceções de praxe — batiam palmas e soltavam rojões, este blog reagiu de imediato: “Assim não!”

A morte dos Kadafis é apenas um emblema. A questão de fundo é outra. Os ditos “rebeldes” da Líbia também massacraram, cometeram assassinatos em massa, estupraram, fizeram o diabo. Nesta segunda, encontraram-se 53 corpos em decomposição, com sinais de execução, de prováveis simpatizantes de Kadafi. Segundo a perícia, devem ter sido mortos entre os dias 15 e 19, já com o novo poder instalado e reconhecido.

Kadafi era um assassino asqueroso e matava sem que o Ocidente sujasse as suas mãos de sangue, não com ele ao menos. Os “rebeldes” praticaram suas atrocidades com o patrocínio de Barack Obama, Nicolas Sakozy, David Cameron, Otan e ONU. E essa diferença faz toda a diferença. O governo de transição tenta afetar agora alguma civilidade. Pôs um fim à indecorosa exposição dos corpos de pai e filho num açougue, como atração turística. Os visitantes se colocavam ao lado dos cadáveres para tirar foto em celular. Como achar isso normal?

O suspeitíssimo Mustafa Abdel Jalil, aquele que declarou sem efeito qualquer lei que não tenha como base a sharia, deve achar que o vilipêndio de cadáver honra o Islã, não é mesmo?

Mas por quê?
Por que insisto tanto nesse tema? Porque há uma espécie de delírio coletivo, que junta, curiosamente, pessoas das mais diversas correntes (de ideologias às vezes adversárias), a endossar a barbárie, como se todos os métodos fossem válidos para depor as ditaduras árabes. E eu estou entre aqueles que acham que não são. Há certas coisas inadmissíveis, especialmente quando contam com a chance da ONU.

Não era preciso ser simpatizante do desprezível Kadafi — como nunca fui; quem o chamava de “irmão” era o Apedeuta — para reagir de pronto àquelas barbaridades. Investigar mortes? Investigar o quê? As imagens falam por si mesmas; são bastante eloqüentes. É claro que a sua divulgação busca intimidar eventuais opositores — não necessariamente ex-partidários do tirano morto. Fica claro a toda gente que o novo poder sabe ser brutal e cínico, a exemplo daquele que foi deposto. Não fosse assim, esse tal Jalil não insistiria na tese ridícula de que Kadafi e seu filho foram mortos numa troca de tiros. Troca de tiros com quem?

Insisto nessa questão porque outras coisas estúpidas podem acontecer decorrentes do não-reconhecimento da realidade como ela é. Trata-se de uma mentira deslavada a história de que o carniceiro Bashar Al Assad enfrenta anjos desarmados do pacifismo na Síria. Não! Enfrenta milícias armadas, composta por outros carniceiros. Já relatei aqui que tenho algumas informações que vêm da Síria que passam por poucos filtros. Assad é um ditador, sim, mas está enfrentando uma luta armada de outros que tendem a ser menos tolerantes do que ele próprio.

Essa é a realidade. Não será o meu ódio à ditadura que vai me impedir de ver o óbvio e que vai me levar a dar corda a esbirros de eventuais ditaduras ainda piores. É preciso ter uma grande cara-de-pau para não reconhecer que o Egito de hoje JÁ É MENOS TOLERANTE com as mulheres e com as minorias religiosas, por exemplo, do que era a ditadura de Hosni Mubarak. Eu me pergunto: o que fazem os países ocidentais ao meter o bedelho nesse vespeiro? Dão combustível ao radicalismo islâmico?

É evidente que o governo Líbio não vai reconhecer oficialmente as causas da morte de Kadafi e de deu filho. Nem é necessário. Os fatos falam por si mesmos. Também os crimes já cometidos pelo novo regime irão para debaixo do tapete. A “Primavera” brota de uma poça de sangue, e suas flores vão aparecer daqui a alguns anos, quando tivermos ditaduras islâmicas referendadas por eleições. “Olhem o que diz o Reinaldo! Ditadura com eleições?” Sim, como existe no Irã. O regime democrático não é só um formalismo técnico para escolher o governante. Ele é também, e acima de tudo, um conjunto de valores.

Por Reinaldo Azevedo

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