"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 28 de novembro de 2011

POLÊMICA EM TORNO DA ANISTIA PARA TRAFICA NTES

Utilizada por países como a Colômbia, proposta gera debates no Brasil.
Por Fernanda Dias, 28/11/2011

Em recente entrevista publicada na revista “Época”, o ex-chefão do tráfico da Rocinha, Antônio Bonfim Lopes, o Nem, defendeu a anistia como forma de se retirar bandidos da vida criminosa e de reintegrá-los à sociedade. A proposta é polêmica, mas já há quem a defenda e até países que adotam o modelo de perdão para quem quer largar as armas.

“Na Colômbia, eles tiraram do crime milhares de guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) porque deram anistia e oportunidade para se integrarem à sociedade. Não peço anistia. Quero pagar minha dívida com a sociedade”, disse Nem à publicação.

Pelo menos desde 2004, a Colômbia vem concedendo indultos a guerrilheiros. Em 2007, o país aprovou uma proposta de anistia para recuperar armas mantidas ilegalmente por parte da população e pelos grupos paramilitares, como as Farc. Meses depois, o governo brasileiro divulgou uma nota em que destacava as manifestações do executivo colombiano no sentido de conceder anistia a guerrilheiros presos em troca da libertação dos sequestrados. Na ocasião, a ex-senadora colombiana Ingrid Betancourt ainda estava sob poder do bando.

O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que presidiu a CPI das Milícias e recentemente deixou o Brasil a convite da Anistia Internacional após receber ameaças de morte, se diz favorável ao projeto de anistia desde que ele seja bem elaborado e válido apenas para quem não tenha condenação:

“Hoje um preso custa R$ 1.500 por mês para o governo. A anistia tem sido uma solução bem sucedida em alguns lugares até porque é mais barato pensar nesta alternativa do que na privação da liberdade. Mas é preciso que seja feita uma proposta bem articulada entre judiciário e executivo”, afirma ele, lembrando que desde o final da década de 90 se debate alternativas ao atual sistema prisional brasileiro.

Outro defensor de um programa de anistia para traficantes é o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que em algumas entrevistas já expressou seu apoio à ideia. O coordenador do AfroReggae, José Júnior, também levanta constantemente essa bandeira e inclusive já produziu dois episódios do programa “Conexões Urbanas” sobre o tema. Um de seus argumentos é que é grande o número de jovens que querem largar o tráfico, mas precisam do estímulo de um instrumento jurídico.

A questão, no entanto, não é vista com bons olhos pelo governo federal. O ex-secretário Nacional de Justiça Pedro Abramovay irritou a presidência ao defender o fim da prisão para pequenos traficantes. Com isso, se tornou a primeira baixa importante da era Dilma. Em entrevista ao jornal “O Globo”, Abramovay disse que o governo deveria enviar ao Congresso um projeto que respalda o uso de penas alternativas para quem pode ser classificado entre usuário e traficante e é réu primário. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, logo descartou que o governo estivesse analisando algo do tipo e chegou a dizer que a proposta era oposta, com endurecimento da pena para quem participasse de organizações criminosas.

De fato, há mais de uma dezena de projetos de leis criados com propostas que vão do aumento da pena por tráfico, que passaria de 5 para 15 anos, à determinação do cumprimento da sentença integralmente em regime fechado.

O doutor em Ciências Sociais e professor do Instituto Universitário de Pesquisa Social do Rio de Janeiro (Iuperj) Rogério Ferreira de Souza faz coro pela emergência de um novo sistema prisional, mas é cauteloso na comparação entre o crime organizado no Brasil e as Farc. Ele explica que o soldado das Farc tem uma motivação e um discurso diferente dos traficantes de drogas no Brasil.

Segundo o especialista, no caso da Colômbia, os guerrilheiros são na sua maioria camponeses pobres ou moradores de áreas empobrecidas da cidade que buscam na organização uma vida melhor. Para o professor, à medida que o governo colombiano promova mudanças sociais, políticas e econômicas o próprio sentido da luta guerrilheira vai perdendo a sua legitimidade. Já no caso do Brasil, ele avalia que o processo é bem diferente, pois a ideologia que acompanha os traficantes é a do consumo e da busca pelo poder na sociedade:

“A perspectiva não é revolucionária e de mudança social. É uma perspectiva de ganhos materiais e de uma vida de prazer imediato. Os traficantes não veem em suas atitudes criminais uma busca de um país melhor e nem de uma sociedade mais justa. E, nesse sentido, a incorporação desses indivíduos na sociedade é um caminho mais longo e estrutural”.

Souza ressalta ainda que a anistia a traficantes delatores produz muito mais resultado na ação do estado no combate ao crime organizado e à corrupção de policiais: “É preciso muito mais. É preciso transformar o sistema prisional em um modelo em que trabalho remunerado e educação sejam oferecidos. É preciso diferenciar o grande traficante daqueles que atuam no tráfico como meio de sustento. É preciso oferecer oportunidade para os jovens pobres das cidades brasileiras. Enfim, é preciso fomentar um conjunto de valores e perspectivas de vida para todos os cidadãos”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário