"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 12 de março de 2012

TRATADO DE SCHENGEN TRANSFORMOU A EUROPA EM CASA-DA-E-JOANA

Schengen fracassou – escrevia eu em abril do ano passado. Não havia em minha afirmação nenhum regozijo ante o fracasso do acordo, muito antes pelo contrário. Mas a pressão dos imigrantes junto às fronteiras da Europa levava a esta conclusão.

Em seus ímpetos de generosidade, cinco países europeus – Bélgica, França, Alemanha, Luxemburgo e Países Baixos - assinaram em 1985 o tratado Schengen, que permite a livre circulação de pessoas dentro dos países signatários, sem a necessidade de apresentação de passaporte nas fronteiras internas. De lá para cá, uma trintena de países aderiu ao acordo, sendo que uns sete ou oito ainda aguardam implementação. Em um de meus passaportes, tenho um visto para o espaço Schengen, que me dispensava de vistos outros em território europeu. Meu passaporte era carimbado no país de entrada e no de saída. Este visto não é mais exigido, mas as regras Schengen ainda vigem na Europa.

O acordo logo revelou um elo fraco. Se imigrantes entravam no continente por fronteiras complacentes, estavam livres para buscar os países que lhes ofereciam mais vantagens, como França, Alemanha, Suécia, Dinamarca. Migrantes econômicos, geralmente alegavam perseguições políticas para obter asilo. Alguns países nórdicos estabeleceram uma limitação: o imigrante não poderia pedir asilo em um segundo país que chegasse na Europa. Teria de pedir no primeiro. Mas isto não conteve a onda de famintos da África e do Magreb.

Ainda naquele abril, a França impediu a entrada no país de um trem com dezenas de imigrantes tunisianos que haviam partido da cidade italiana de Ventimiglia. De acordo com a comissária européia do Interior, Cecilia Malmström, as autoridades francesas citaram "razões de ordem pública" para justificar a medida. Um porta-voz da Comissão Européia afirmou também que a França não tem a obrigação de permitir a entrada de imigrantes com vistos de residência temporária concedidos pela Itália.

Os humanistas de plantão – entre eles Sua Santidade – protestaram violentamente contra a França. A Itália protestou contra a decisão francesa e afirmou que a medida viola as regras da União Européia sobre a livre circulação no bloco. As pessoas que vivem legalmente nos 25 países da União Européia que assinaram o tratado de Schengen não precisariam apresentar documentos de viagem às autoridades da região.

Desde quando a Itália não pode exportar os famintos que a buscam para o país vizinho? O episódio pôs em xeque o acordo Schengen. Naqueles dias, um funcionário da Presidência francesa disse que o país considerava abandonar temporariamente o tratado.

Toda corrente é tão forte quanto seu elo mais fraco. Segundo o funcionário do governo francês, deveria haver um mecanismo para suspender o acordo em resposta ao que descreveu como uma "falha sistêmica" na fronteira externa da UE. "Nos parece que precisamos pensar sobre um mecanismo que nos permitiria, quando há uma falha sistêmica numa das fronteiras externas da UE, intervir com uma suspensão temporária pelo tempo que a ruptura durar".

Hoje, em um comício em Villepinte (arredores de Paris), Nicolas Sarkozy confirmou o que se prenunciava há mais de ano. Segundo o Le Monde, o presidente francês deu um ultimato à União Européia para que revise o Tratado de Schengen e limite a livre circulação de pessoas em suas fronteiras. Discursando durante um comício em sua campanha pela reeleição, Sarkozy afirmou que a França vai se retirar do tratado de Schengen caso a política de imigração européia não seja endurecida.

"Quero uma Europa que proteja seus cidadãos", disse Sarkozy durante o comício. "Numa época de crise econômica, se a Europa não selecionar aqueles que podem atravessar suas fronteiras, ela não será mais capaz de financiar seu Estado de seguridade social. Precisamos de uma disciplina comum para controles de fronteira. Não podemos deixar a administração dos fluxos de migração para tecnocratas e tribunais".

O acordo Schengen estava transformando a Europa em uma casa-da-mãe-joana. Os imigrantes entravam por fronteiras fáceis, como Itália e Espanha, e depois escolhiam os países mais ao norte, que lhes ofereciam mais benefícios sociais. Os famintos vinham em geral da África. Há um consenso entre as esquerdas que a Europa, tendo colonizado o continente africano, é responsável por seus imigrantes.

Ora, as últimas colônias datam de décadas atrás. Os europeus deixaram, por onde passaram, ciência e tecnologia suficientes para que os países se desenvolvessem e seguissem seus rumos. Ocorre que os governantes africanos são incorrigíveis. Em vez de construir e desenvolver suas nações, preferem deixar seus cidadãos à margem do progresso e dependentes da generosidade européia.

A continuar vigendo Schengen, a África se muda para a Europa. Sarkozy, que não tem compromissos com as esquerdas, está tentando reformular o acordo para salvar o continente.

Sarkozy quae sera tamen. De minha parte, diria que a França acordou tarde demais. O problema não é tanto a imigração em si, mas os imigrantes árabes que transportam consigo vícios de países teocráticos e querem interferir na legislação dos países que os acolhem.

De qualquer forma, é confortador ver o Velho Continente, após tantos alertas, começar a reagir e exercitar sua musculatura.

12 de março de 2012
janer cristaldo

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