"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 9 de março de 2012

UMA REFLEXÃO PARA O DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Comemora-se neste dia 8 de março mais um Dia Internacional da Mulher. A data evoca sempre um sabor acridoce. Ao mesmo tempo em que recorda as vitórias já conquistadas pela luta feminina, a própria existência do Dia Internacional da Mulher – e a pertinência de tal espécie de comemoração continuar a existir – lança luz sobre o fato de que, em 2012, o gênero ainda é um fator determinante de muitos problemas que atingem as mulheres. Mas não é o caso de permitir que a melancolia domine os festejos. Muito já foi feito por aquelas que vieram antes de nós, e ainda há muito a fazer. Assim, gostaria de compartilhar apenas uma reflexão para este dia, sobre o tema da construção da autoestima da mulher na sociedade brasileira contemporânea. Embora não se trate de uma questão exclusivamente feminina, ela recebe um impacto específico dos problemas de gênero nos dias que correm.

8 de março de 2012
Ana Paula de Barcelos
A Lei Maria da Penha tem sido celebrada, com razão, como um mecanismo importante na luta contra a violência doméstica e familiar dirigida à mulher. Essa violência, nos termos da própria lei, pode assumir várias formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. A luta contra a violência doméstica e familiar tem, no mínimo, dois fronts. O primeiro é o front dos agressores. A lei visa a intimidar os potenciais agressores, punir os agressores efetivos e impedir a reincidência. O segundo front, porém, é o das vítimas. O legislador bem percebeu a complexidade do problema ao identificar que a violência contra a mulher não causa apenas danos físicos ou financeiros: muitas vezes ela causa um “dano emocional e diminuição da autoestima” que prejudica “o pleno desenvolvimento” e a “autodeterminação” da mulher. Essa espécie de dano, embora mensurável por instrumentos diversos daqueles classicamente utilizados pelo direito, não é, por isso, menos relevante. Ao contrário: o dano psicológico e emocional muitas vezes acompanhará a mulher por toda vida, limitando-a em seu desenvolvimento pessoal.

A lei, ciente das limitações do direito para lidar com essa espécie de dano, prevê a figura da equipe multidisciplinar, composta por profissionais especializados nas áreas psicossocial e de saúde, além de profissionais da área jurídica. Por mais difícil que seja trabalhar com essa espécie de fenômeno, ele existe, é muitíssimo relevante e não pode ser ignorado. A humildade do direito – no sentido de reconhecer os seus limites e interagir com outros campos do conhecimento (como, e.g., a psicologia e a medicina) – potencializa enormemente sua capacidade de transformação. O problema da construção da autoestima da mulher, no entanto, envolve muitos outros aspectos.

De acordo com o conhecimento já consolidado na psicologia, o período mais relevante para a construção da autoestima de um ser humano é a infância. A internalização, pelo indivíduo, da compreensão de que ele é importante e valioso em si mesmo, independentemente do que ele faça ou de como ele seja tratado por outras pessoas, depende em boa medida de ele haver recebido, quando criança, essa espécie de mensagem afetiva dos adultos que estavam ao seu redor. Se uma criança recebe constantemente a mensagem de que só é querida e valiosa se e quando se comporta de determinada maneira, sua autoestima sofrerá danos importantes. Ocorre que adultos, no mais das vezes, reproduzem os padrões sociais nas suas relações, inclusive com as crianças que estão em sua área de influência. E, no caso das meninas-mulheres, esses padrões têm sido particularmente cruéis.

Socialmente, o valor intrínseco de uma mulher – e é apenas natural que essa mensagem seja transmitida às meninas – continua profundamente vinculado a elementos externos a ela. Como regra, uma mulher é considerada valiosa por conta do que faz, por sua performance, e não em si mesma. Assim, mulheres são valorizadas se forem boas filhas, boas companheiras, boas mães, boas gestoras domésticas, boas profissionais e, ainda, se forem lindas e magras. Tudo isso junto e ao mesmo tempo. Para as meninas, aplica-se uma adaptação desses padrões: elas valem se forem boas filhas, se tiverem coisas (mochilas, tênis, roupas, celulares), se forem lindas e magras, se forem queridas pelos outros, se tirarem boas notas na escola. As exigências que esses padrões sociais formulam para atribuir algum valor a uma mulher são tão grandes que o fracasso é certo.

O problema é gigantesco e assustador, mas esse é um dos desafios da nossa geração: contribuir para a construção de novos padrões sociais, de acordo com os quais o valor intrínseco de uma mulher – aliás, o valor intrínseco de qualquer pessoa – não dependa das funções que ela desempenhe socialmente, da sua performance ou das escolhas que ela faça. Pessoas são valiosas em si mesmas e mulheres são pessoas.

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