"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 6 de abril de 2012

DOCE PECADO

Na nossa sociedade é de costume se desejar “Feliz Páscoa” a alguém dando de presente um ovo de chocolate. Mas nem sempre esta delícia de cacau foi bem recebida pela religião.

Equipe RHBN
6/4/2012
  • Em nossa tradição, é impossível não associar o chocolate à Páscoa, festa maior do cristianismo. Desejar “Feliz Páscoa” a alguém é um costume que quase sempre vem acompanhado de um presente previsível: um ovo de chocolate – ou, simplesmente, um “ovo de Páscoa”. Mas a relação entre a iguaria e a religião que está na base da cultura ocidental nem sempre foi pacífica.

    A guloseima, originalmente consumida por “pagãos” americanos e que caiu no gosto das altas rodas da Europa, era cercada de mistérios, como no caso dos chocolates aromáticos das cortes italianas, como revela Eddy Stols nesta edição. Os Médici, titulares do grão-ducado da Toscana, mantinham segredo absoluto sobre a receita do chocolate com aroma de jasmim, cobiçado por outras casas européias. Sua fórmula era guardada em uma caixa-forte. A Igreja, como se sabe, não via com bons olhos mistérios que não estavam sob sua guarda.

    Mas o apreço pelo produto não era resultado apenas do aroma irresistível ou do paladar inigualável. Além de saboroso, o chocolate era apreciado por suas virtudes terapêuticas. Em meio a um verdadeiro frenesi, não tardaram a surgir, no século XVII, as primeiras denúncias de abuso na sua ingestão. E numa época profundamente marcada pela religião, o debate se dava na esfera da Igreja. De um lado, jesuítas cantavam as delícias do cacau; do outro, os dominicanos lamentavam o novo vício europeu.

    A Europa, terra do vinho, era aos poucos invadida por legiões de beberrões de chocolate – inicialmente a Espanha, e posteriormente o resto do continente; nos cafés que se multiplicavam no rastro de outra bebida famosa, homens amanheciam em busca das primeiras doses do líquido turvo; nos palácios e nas casas mais refinadas, as xícaras passavam a figurar ao lado das taças, em lugar de destaque. Quente ou gelado, líquido ou pastoso, puro ou com aguardente, tomava-se chocolate de todas as maneiras, com o objetivo de estimular os sentidos de formas inusitadas.

    Acreditava-se ainda que o chocolate possuía a propriedade de aquecer o sangue, despertando “virtudes” que eram sistematicamente combatidas pela Igreja. O italiano Francesco Arisi, autor de um tratado intitulado Il cioccolato, de 1736, versejava contra a iguaria:

    Nos torrões já é usado,
    Nas tortas é o principal.
    Penso, pois, que ainda um dia,
    Vão servi-lo com codornas,
    Desdenhando o santo pão
    Ou colocando-o de parte.


    Os próprios jesuítas, que elogiaram seu uso na Itália, chegaram a dizer em Portugal, onde o hábito de beber chocolate se alastrou no século XVIII, que o produto era um estimulante sexual. Contrariando a interpretação tradicional de S. Tomás de Aquino, para quem líquidos não quebravam o jejum, exigiram sua proibição durante o período da Quaresma, quando os cristãos deveriam se afastar dos prazeres da carne (em todos os sentidos). Tentativa inútil, pois o papa, em Roma, cedendo à pressão dos primeiros chocólatras, e para a felicidade de quase todos, autorizou o pecado durante o ano inteiro.

    O artigo acima foi originalmente publicado em abril de 2009 na RHBN, cujo tema de capa era o chocolate

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