"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 30 de maio de 2012

AGRESSIVIDADE E PASSIVIDADE

Há temas sobre os quais se escreve com prazer e outros nem tanto, a despeito de sua importância; pois é com real desprazer que me ocupo das atuais condições adotadas pela Argentina em desfavor do Brasil, em matéria de tráfico.

É de toda evidência que elas não primam pela racionalidade, embora sejam induvidosos os interesses de ambas as nações ligadas pela geografia e pela história; a complementaridade de suas economias é incontroversa; particularmente no Rio Grande do Sul em verdade, mercê de ações e omissões, a vizinha tem embaraçado o comércio entre elas, com uma assiduidade e extensão que não pode ser vista como ocasional, como o abandono das autorizações automáticas para importação, regular em zona de livre comércio e união aduaneira; a demora das licenças muito além dos 60 dias previstos pela Organização Mundial do Comércio; os embaraços generalizados para a importação de produtos brasileiros, como máquinas agrícolas, eletrodomésticos, tecidos, calçados, roupas, entre outros bens, atingindo diretamente o tradicional comércio argentino-brasileiro.

É óbvio que ninguém vai desejar ou sugerir que os diplomatas passem a usar espada à cinta quando se tratar de problemas rio-platenses, mas a agressividade de um lado e a doçura de outro entraram a causar mal-estar em setores significativos da área brasileira.

Com efeito, um dos mais antigos e respeitáveis órgãos da nossa imprensa, que tradicionalmente dedica particular atenção à política internacional, chegou a referir-se “à passividade e mansidão do Itamaraty”, para notar “quando já não pode disfarçar sua escalada passividade, autoridades brasileiras decidiram impor alguns obstáculos a produtos argentinos.

Agora (após reunião com o ministro do Comércio Interior argentino, em Brasília), agora se comprometeu a eliminá-los em troca da supressão de barreiras à carne suína. É mais uma rendição”. E prosseguiu, “cada capitulação da diplomacia brasileira estimula a manutenção do protecionismo argentino e, mais do que isso, a ampliação das barreiras. O governo tem cedido em tudo… sempre com novas cláusulas a favor dos vizinhos”.

Os meios de comunicação argentinos foram atropelados brutalmente

Embora tivesse mais a dizer a respeito do assunto, como gostaria de fazer, lembrando episódio que mostra a ancianidade da posição brasileira em relação a problemas da nossa vizinha, limitar-me-ei a recordar que quando a Inglaterra se apossou das Ilhas Malvinas em 1833, ou seja, no começo da Regência, dois anos depois da abdicação de Pedro I e Pedro II ainda criança, o Brasil tomou posição em favor da Argentina e até hoje, em todas as emergências, inclusive na recente “guerra das Malvinas”, foi coerente com os antecedentes de sua política externa.

Dir-se-á que nas relações internacionais não há ou pouco espaço existe para a amizade, mas nunca é demais render tributo a esse sentimento, reservando alguns títulos, “que podem ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos”, para lembrar a pérola machadiana.

Fico por aqui, até porque desse assunto pouco entendo e já foi dito que entre o céu e a terra há mais coisas do que imaginam os pretensiosos bichos da terra.
Mas as preocupações ficaram enunciadas e não custa lembrar que os meios de comunicação argentinos foram atropelados brutalmente, e aqui não falta quem queira suprimir sua liberdade mediante o “marco regulatório da comunicação”…

Diante desse quadro, brevissimamente esboçado, não seria de perguntar-se o que resta do Mercosul que os presidentes Alfonsín e Sarney conceberam e tudo fizeram para torná-lo sólida realidade?

Paulo Brossard
Fonte: Zero Hora, 28/05/2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário