Vivo em Higienópolis, bairro judeu, cujos costumes e rituais me soam bastante estranhos. Aos sábados, quando chove, senhores e senhoras elegantes se cobrem com capinhas vagabundas de plástico, dessas que se compra a cinco reais nas bancas de revista. Casais nunca se dão as mãos. Em um determinado dia do ano, homens engravatados e bem postos não usam sapatos, apenas tênis. Aos poucos, comecei a descobrir as firulas da ortodoxia judaica. Usam capas no sábado, porque no sábado um judeu não pode portar um guarda-chuva. A rigor, não pode nem apertar um botão de elevador. O que faz com que apartamentos de primeiro andar sejam muito valorizados. Há inclusive no bairro um prédio com um elevador casher: aos sábados, ele pára em todos os andares sem que nenhum botão precise ser acionado.
Judeu não dá a mão a uma mulher porque ela pode estar impura, isto é, menstruada. Neste sentido, no ano passado, quando ainda prefeita, Marta Suplicy pagou uma gafe monumental. Num encontro com rabinos, foi logo estendendo a mão. Que restou inútil, balançando no ar. Henry Sobel, mais diplomático, ousou responder ao gesto da pustulenta. Quanto ao uso de tênis, ocorre no Yom Kipur, quando um judeu não pode usar sapatos de couro.
Com essa moda de espalhar vacas em fibra de vidro pela cidade, uma delas esteve plantada frente à praça Buenos Aires, tendo no corpo o desenho dos cortes casher da carne. Olhando-a mais detidamente, vi que nela não existiam filé nem picanha.
Consultei amiga entendida nesta estranha gastronomia, que rejeita o melhor do boi. Não pode, me disse ela. São carnes que ficam perto do nervo ciático. Como palavra puxa palavra, fiquei sabendo ainda que judeu não come crustáceos. Nada de lagosta, camarão, ostras ou mexilhões. Nem mesmo polvos. Vá lá se entender por quê. À ortodoxia, o bem bom sempre soa como pecaminoso.
Vivendo e aprendendo. Estes senhores hebreus, que parecem tão modernos e civilizados, no fundo não se distinguem muito, em suas práticas, de seus primos muçulmanos e obsoletos. Enfim, para entender a estirpe, consultei amiga judia. Que me recomendou ler Maimônides, um dos rabinos e teóricos mais prestigiados da história do judaísmo. Médico sefardita, conhecido entre os muçulmanos como Abu Imram Musa ben Maimun Ibn Abdala, Maimônides nasceu em Córdoba, em 1135 e morreu em 1204. Também conhecido como Rambam, escreveu vários ensaios, médicos e religiosos, desde um Tratado sobre as hemorróidas até o que é considerado sua obra maior, o Guia dos Perplexos. Mas um de seus livros me atraiu de cara: Os 613 mandamentos. Só o título já intriga. Se lembrar dez já é às vezes difícil para muitOo cristão, imagine lembrar 613. São 248 preceitos positivos e 365 negativos. Suponho que o judeu temente ao Enaltecido deve andar sempre com um no bolso, para consultar o que pode ou não pode fazer.
Colho algumas pérolas entre as 365, para deleite dos leitores goyin. Começo pelos preceitos positivos.
185 - Destruir todo tipo de idolatria na terra de Israel
Por este preceito somos ordenados a destruir todo tipo de idolatria e seus templos por todas as maneiras possíveis de destruição e aniquilação: quebrar, queimar, demolir e rasgar, usando, para cada objeto, o meio apropriado para que a destruição seja feita o mais completa e rapidamente possível, pois a intenção é que não reste nem traço dele. Isso está expresso em Suas palavras, enaltecido seja Ele, "Certamente destruíreis dos lugares" (Deuteronômio, 12:2), em "Mas assim fareis com elas: seus altares derrubareis etc." (Ibid. 7:5) e novamente em "Porém seus altares derrubareis" (Êxodo, 34:13).
186 - A lei da Cidade Apóstata
Por este preceito somos ordenados a matar todos os habitantes de uma Cidade Apóstata e a queimá-la com tudo que houver nela. Esta é a Lei da Cidade Apóstata, e ela está expressa em Suas palavras, enaltecido seja Ele, "E queimarás no fogo, a cidade e todo o seu despojo, inteiramente" (Deuteronômio, 13:17). As normas deste preceito estão explicadas no Tratado Sanhedrin.
187 - A guerra contra as Sete Nações hereges
Por este preceito somos ordenados a exterminar as Sete Nações que habitavam a terra de Canaã, porque eles constituíram a raiz e primeiro fundamento da idolatria. Este preceito está expresso em Suas palavras, Enaltecido seja Ele, "Mas destrui-los-ás". (Deuteronômio 20:17). Está explicado em vários textos que o objetivo disso era evitar que imitássemos sua heresia. Há vários trechos nas Escrituras que nos incitam e insistem veementemente para que os exterminemos, e a guerra contra eles é obrigatória.
190 – A lei da guerra não obrigatória
Por este preceito somos ordenados quanto a guerras não obrigatórias contra nações. Caso entremos em guerra contra eles, somos obrigados a fazer um acordo com eles para poupar suas vidas se eles fizerem as pazes conosco e nos entregarem suas terras, e nesse caso eles deverão nos pagar tributos e ser nossos súditos. Este preceito está expresso em Suas palavras, enaltecido seja Ele, “Te será tributário ou te servirá” (Deuteronômio 20:11). A esse respeito, diz o Sifrei: “Se eles disserem ‘nós concordamos com os tributos mas recusamos a servidão’, ou ‘concordamos com a servidão, mas nos recusamos a pagar os tributos’, não devemos concordar: eles devem aceitar as duas condições” (...) Contudo, se eles não fizerem a paz conosco, somos ordenados a matar toda a população masculina, jovens e velhos, e a tomar tudo que lhes pertence, inclusive suas mulheres. Este preceito está expresso em Suas palavras, enaltecido seja Ele.
235 – A lei sobre o escravo cananeu
Por este preceito somos ordenados quanto à lei sobre um escravo cananeu; ela diz que ele deve ser escravo para sempre e que não pode adquirir sua liberdade a não ser por causa de um dente ou um olho (se o dono do escravo lhe causar a perda de um dente ou de um olho), ou por causa de qualquer outro órgão do corpo que não torne a crescer, de acordo com a interpretação tradicional. Este preceito está expresso em Suas palavras “Perpetuamente vos farei servir deles” (Levítico 25:46) e, “E quando ferir um homem o olho de seu escravo etc.” (Êxodo 21:26).
Vejamos alguns preceitos negativos.
49 - Não poupar a vida de um homem das Sete Nações Idólatras
Por esta proibição somos proibidos de poupar a vida de qualquer homem que pertença a uma das Sete Nações para evitar que eles corrompam as pessoas e as levem para o caminho errôneo da idolatria. Esta proibição está expressa em Suas palavras, enaltecido seja Ele, "Não deixarás com vida todo que tiver alma" (Deuteronômio, 20:16). Matá-los constitui um preceito positivo, como explicamos ao tratar do preceito positivo 187.
Todo aquele que transgredir esta proibição, deixando de matar todo aquele que ele poderia ter morto estará infringindo um preceito negativo.
257 – Não utilizar um servo hebreu para executar tarefas degradantes
Por esta proibição somos proibidos de utilizar um escravo hebreu para executar tarefas domésticas degradantes, como as que são executadas pelos escravos cananeus. Ela está expressa em Suas palavras, enaltecido seja Ele, “Não o farás servir com serviço de escravo” (Levítico 25:39).
Curiosamente, mais adiante lemos:
289 – Não matar um ser humano
Por esta proibição somos proibidos de matar-nos uns aos outros. Ela está expressa em Suas Palavra “Não matarás” (Êxodo 20:13), e todo aquele que violar este preceito negativo será decapitado. O Enaltecido diz: “Do meu altar o tirarás, para que morra” (Ibid., 21:14).
O sábio rabino parecia ser curto de memória. Vejamos outro preceito, logo adiante:
310 – Não deixar viver um feiticeiro
Por esta proibição somos proibidos de permitir que um feiticeiro viva. Ela está expressa em Suas palavras “Feiticeira não deixarás viver” (Êxodo 22:17), Permiti-lo é quebrar um preceito negativo, e não somente um preceito positivo, como no caso de perdoar um malfeitor que esteja sujeito à morte por sentença judicial.
E por aí vai. Grande humanista, o santo e sábio Maimônides. Que o Enaltecido o tenha em sua glória. Verdade que não é muito original. Estes preceitos sanguinolentos emanam dos livros da Tora, sempre citada pelo magnânimo rabino. E depois os judeus se queixam de ser uma raça perseguida.30 de maio de 2012
janer cristaldo
* dezembro 2005
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