"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 21 de maio de 2012

ESCASSEZ DE ÁGUA AMEAÇA O PLANETA

 

A escassez de água na Terra é um assunto que vem ganhando cada vez mais destaque em pesquisas, grupos de debate e na mídia. O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) colocou o tema em foco e desviou um pouco as atenções que estavam todas voltadas para as emissões de carbono na atmosfera responsáveis pelo agravamento do efeito estufa e do aquecimento global.

Apesar de agora estar em evidência, a questão da falta de recursos hídricos não é uma ameaça futura. "Já enfrentamos o problema da escassez e do mau uso, com doenças e sérios comprometimentos sócio-econômicos", afirma o biólogo e pesquisador da UFF Marcelo Bernardes. "Até mesmo em países com grande disponibilidade de recursos hídricos há sérios problemas de escassez", alerta a engenheira Heloisa Firmo, professora adjunta do DRHIMA (Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente) da Escola Politécnica da UFRJ. Ela complementa que, com a falta dos recursos superficiais, pode haver aumento da exploração e da poluição dos aqüíferos subterrâneos.

A maior parte da água no planeta é salgada: 97,5%. Os 2,5% do total que são constituídos água doce podem parecer pouco, mas seriam suficientes para a população humana, se bem utilizados. No entanto, algumas regiões que um dia já tiveram água em abundância e de qualidade hoje vivem a baixa oferta do recurso, comprometido por um crescimento populacional elevado no último século e uma demanda exponencial desprovida de uso racional – conforme explica Bernardes, acrescentando que se pode relacionar as causas de uma escassez não apenas à intensificação da demanda gerada pelo intenso crescimento mas principalmente ao mau uso, que inclui consumo em excesso e o descarte impróprio da água não tratada.

"O problema da oferta de água é que ela é muito mal distribuída no planeta, ou seja, onde há muita disponibilidade, há poucos habitantes, e nas grandes cidades, onde há maior concentração populacional, a água está tão poluída que é caro demais recuperá-la. Há regiões onde a escassez se dá por razões de clima e morfologia do solo, que não retém a umidade", explica Heloisa, que aponta outra dificuldade particularmente associada aos recursos hídricos. Ao contrário do que acontece com a energia, que graças às linhas de transmissão pode ser gerada num determinado local – Tocantins, por exemplo – e distribuída para outros, as bacias hidrográficas não se comunicam, a não ser que haja transposição de águas em bacias vizinhas. "Os problemas também são quase independentes. Por exemplo, se economizarmos água na bacia do Tocantins, não vai sobrar água na bacia do Paraná".

Também não se pode, segundo Bernardes, desvincular a questão da escassez de água de outros problemas ambientais. "O mau uso da água está diretamente relacionado ao mau uso da terra. Hoje podemos ver regiões em processo de desertificação relacionada ao desmatamento excessivo; elevados índices de mortalidade vinculados ao lançamento de efluentes domésticos; escassez devido ao excesso na captação ou desvio de água entre bacias, entre outros", afirma o biólogo.

É preciso atenção ainda ao fato de que a humanidade já vem lançando mão da água presente nos lençóis subterrâneos – que representa 29,9% do total de água doce do planeta, sendo que 68,9% estão nas calotas e geleiras, 0,3% nos rios e lagos e 0,9% em outros reservatórios – e essa utilização traz alguns riscos. "Os aqüíferos subterrâneos são mais protegidos, portanto, é mais difícil serem contaminados. Por outro lado, uma vez contaminados, é muito mais difícil tratar suas águas.
Eles são reservas estratégicas de água para um futuro não muito distante", diz Heloisa, lembrando que iniciativas já estão sendo tomadas em direção à resolução de problemas relacionados a essa questão.

"Há um esforço conjunto feito pelo Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina para o estudo, coleta de informações e adoção de medidas de preservação e uso sustentável do aqüífero Guarani, maior reserva de água doce da América do Sul e cujas águas cobrem mais de 1 milhão de km2, sendo 80% dele no Brasil".

O que fazer

Bernardes acredita que para evitar que os recursos hídricos se acabem é preciso que todos se envolvam. "Devemos absorver este problema como nosso e não dos outros, local e regionalmente. Somente assim iremos ver alguma resposta global. Sugiro que individualmente façamos o uso devido da água, que socialmente sejamos representados nos comitês de bacias hidrográficas e que valorizemos os projetos de uso sustentável, recuperação e monitoramento das águas". Esses comitês seriam formados por representantes legais de toda a esfera da sociedade e sem tendências políticas. O pesquisador acredita que o modelo é eficiente porque garante idoneidade, considerando toda a unidade de uma bacia hidrográfica.

Segundo Heloisa, os fatores que poderiam levar à escassez de água no planeta são o desperdício, a contaminação dos aqüíferos, a não-realização de obras para a coleta de esgoto e a falta de medidas de gestão dos recursos hídricos, como a implementação de políticas sérias – que incluem não só a participação da sociedade civil organizada por intermédio dos comitês de bacias hidrográficas, opinião que ela compartilha com Bernardes, como o fortalecimento das instituições atuantes na política, tais como as agências nacional (ANA) e estaduais; o cumprimento das medidas definidas nos planos estratégicos de bacias hidrográficas; a adoção dos instrumentos para a gestão, como, por exemplo, a cobrança e a outorga dos recursos hídricos; a construção de obras necessárias para a adução da água.

Para a água ser utilizada da melhor maneira, seu aproveitamento deve ser projetado de forma integrada, atendendo ao maior número e tipo de usuários possível – explica Heloisa, lembrando que a prioridade no Brasil é melhorar as condições de saneamento, já que dados do IBGE mostram que em torno de 75% dos municípios brasileiros despejam o esgoto in natura em seus rios. De acordo com relatório recente da ANA, a perda de água na captação e distribuição encontra-se na faixa dos 30%, valor que sobre para 50% se forem contabilizados os prejuízos por cadastros desatualizados e ligações clandestinas.

Paralelamente à necessidade de medidas mais difíceis como a implementação efetiva da Política Nacional dos Recursos Hídricos e a realização das obras para instalação de redes de coleta de esgotos e de abastecimento de água, a pesquisadora aponta iniciativas mais fáceis e práticas, que todos podem tomar: a diminuição do desperdício, a não-utilização de mangueiras como "vassouras hidráulicas" para a lavagem de calçadas; evitar banhos demorados, lavagem excessiva de roupas, fechar a torneira enquanto se escova os dentes. "É importante também a educação quanto ao respeito ao meio ambiente no sentido de não se jogar detritos nem lixo nos nossos rios, já tão deteriorados".

21 de maio de 2012

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