"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 21 de junho de 2012

OS RIQUIXÁS DE NOVA YORK

 

Tenho uma amiga que vive dizendo que, no Brasil, a rua da praia tem altíssima rotatividade.
"O pessoal dos apartamentos de frente para o mar vive sendo substituído. Bobeou, sai de lá e acaba caindo, rapidinho, lá na rua de trás, colada no morro".

É uma regra universal. Mais cedo ou mais tarde acontece com pessoas, países, impérios, culturas e até deuses.
É a vontade de olhar longe e pegar aquele ventinho da praia, aliás, que faz a maioria das pessoas se disporem a sofrer tudo que é preciso sofrer para trabalhar e "ir pra frente".

Em 1982, quando a China finalmente se abriu, fiz uma longa viagem por lá como repórter d'O Estado de S. Paulo. E nos primeiros dias, antes que eu me rebelasse e conseguisse mudar ordens vindas de Pequim, enfiaram-me doses maciças de "museus da revolução", enaltecendo como obras quase divinas os delírios megalomaníacos através dos quais o ego superalimentado de Mao Tsetung afundou aquele terço da humanidade no terror, na miséria e na fome.
Um dos símbolos onipresentes da era de iniquidades que ele lavou naquele sangue todo eram os riquixás. As fotos daquelas charretezinhas puxadas a gente, com um chinezinho esquálido no lugar do cavalo e um "vosselência" refestelado atrás estavam penduradas em lugar de destaque em todos esses "museus da revolução", como a anunciar o que viria e a justificar a violência com que veio.

Nos Estados Unidos não existe esse negócio latino de "trabalho mixo". Trabalho é trabalho e qualquer um, por mais humilde que seja, costuma ser desempenhado com competência até pelos filhos dos bilhonários em férias. Mas carregar os outros nas costas é diferente. Não se admitia isso por aqui, nem para quem se dispusesse a carregar nem, muito menos, para quem podia pagar pra ser carregado...

Passado o terremoto de 2008, porém, uma charge tornou-se o símbolo dos novos tempos que o mundo estava enfrentando. Nela via-se um Tio Sam depauperado e magrelo puxando um riquixá onde se refestelava um gordo capitalista chinês.

Foi o primeiro sinal. Mas charge é charge. Vive de exagerar a realidade.

Ontem, no meio da maior onda de calor deste verão novaiorquino, saio de um teatro da Broadway em plena tarde - varando um ar quase irrespirável que se podia cortar com uma faca - e vejo-me cercado por...implorantes puxadores de riquixás que, com a competência marketeira do centro mundial do capitalismo, fechavam, com suas charretes puxadas a bicicleta, os espaços entre os carros estacionados, de tal forma que foi preciso andar um bom trecho rua abaixo até conseguir uma brecha para conseguir atravessa-la.

Tá cheio de americano puxando riquixá em Nova York, enquanto os bonus dos resgatados de Wall Street continuam bombando na casa dos bilhões!
Quanto tempo isso aguenta antes que apareça um Mao Tsetung ianque?

fernaslm
21 de junho de 2012

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