"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 27 de julho de 2012

OS PILARES DA DENÚNCIA


A peça de acusação que aponta a existência de um esquema de pagamento de mesadas à base aliada do então governo Lula em troca de votos no Congresso Nacional foi costurada a quatro mãos.

A matéria começará a ser julgada a partir da próxima quinta-feira, 2 de agosto, no Supremo Tribunal Federal, e é fruto de um trabalho elaborado pelo ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza e o atual, Roberto Gurgel.

O texto aponta a existência de um "plano criminoso voltado para a compra de votos dentro do Congresso Nacional", tendo como comandante o ex-chefe da Casa Civil ministro José Dirceu. "Trata-se da mais grave agressão aos valores democráticos que se possa conceber", afirmou Gurgel, em suas alegações finais.

O processo, que conta 50 mil páginas, no entanto, ainda não responde a várias das perguntas que cercam um caso ainda envolto pela névoa {leia no quadro ao lado).

A primeira denúncia do Ministério Público elaborada por Antonio Fernando, em 2007, já apontava a formação de quadrilha, na época com 40 nomes. Ela foi baseada em investigações da Polícia Federal e nas conclusões do relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio (PMDB-PR), instalada para apurar as denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson, de que o PT, por meio do empresário Marcos Valério, e sob o comando de José Dirceu e de Delúbio Soares, tesoureiro da legenda, transferia recursos ao PP e ao PL (atual PR) para a compra de votos no Congresso com mesada de R$ 30 mil por deputado. Antes, Jefferson havia falado em recursos para o financiamento de campanhas, o que caracterizaria o crime menor de caixa dois—corrente na política nacional.

Segundo Fernando, havia elementos que comprovavam a existência de um "eficiente sistema de repasse de valores, especialmente a integrantes de diversos partidos políticos, que se utilizavam de mecanismos altamente suspeitos, de que são exemplos o desprezo pelos procedimentos bancários regulares, a entrega de quantias elevadas em espécie e em locais inadequados (recepção e quartos de hotéis, e bancas de revistas) e a preocupação de inviabilizar a identificação do destinatário", completou o procurador.

Empossado, Gurgel manifestou inteira concordância com a denúncia ao apresentar as alegações finais ao STF, em julho de 2011. Manteve e reforçou todas as acusações do antecessor— as exceções foram os pedidos de absolvição do ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência Luiz Gushiken e do ex- assessor parlamentar Antonio Lamas. Explorou bastante o envolvimento de instituições bancárias financiadoras maiores do valerioduto, mas nada acrescentou para demonstrar a compra de vo- tns ou identificar deputados aliciados. Apontou como indício da cooptação a proximidade de datas entre saques e votações.

Gurgel, no entanto, foi bem incisivo em outros pontos da denúncia. "As provas colhidas no curso da instrução, aliadas a todo o acervo que fundamentou a denúncia, comprovam a existência de uma quadrilha, constituída pela associação estável e permanente dos seus integrantes, com a finalidade da prática de crimes contra o sistema financeiro, contra a administração pública, contra a fé pública e de lavagem de dinheiro", explicitou o procurador. Ao longo do processo, alguns nomes ficaram pelo caminho.

O ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira fez um acordo com o Ministério Público e passou a prestar serviços comunitários. O ex- Kder do PP na Câmara José Janene (PP) morreu em 2010 vítima de problemas cardíacos.

A ênfase de Gurgel levou o PT a buscar outros caminhos para diminuir o impacto do julgamento do mensalão no partido. Aproveitando-se da criação da CPI para investigar as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com entidades públicas e privadas, os petistas tentaram convocar o procurador-geral para explicar por que ele não iniciou as investigações contra o bicheiro em 2009, quando foi deflagrada a Operação Vegas. "Foi uma maneira de tentar mostrar a inconsistência jurídica do procurador. Desconstruindo o acusador do partido no inquérito do mensalão, tentou-se desmontar a acusação que pesava contra a legenda", confessa um parlamentar do PT com assento na CPI.

Núcleos de atuação

O documento de Gurgel divide os réus em três núcleos. O político, composto pelo ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delú- bio Soares, o ex-secretário-geral Silvio Pereira, e o ex-presidente do PT José Genoino. "O objetivo era negociar apoio político ao governo no Congresso Nacional, pagar dívidas pretéritas, custear gastos de campanha e outras despesas do PT", diz a denúncia.

O segundo núcleo, identificado como núcleo operacional, seria integrado por Marcos Valério, Rogério Tolentino e outros profissionais do meio publicitário. Ná visão de Gurgel, coube a esse grupo "oferecer a estrutura empresarial necessária à obtenção dos recursos que seriam aplicados na compra do apoio parlamentar". Valério teria concordado em participar do esquema porque desejava "aproximar- se do governo federal".

Já o terceiro núcleo, chamado de núcleo financeiro, era integrado pelos dirigentes do Banco Rural à época. "Visando à obtenção de vantagens indevidas, consistentes no atendimento dos interesses patrimoniais da instituição financeira que dirigiam, proporcionaram aos outros dois núcleos o aporte de recursos que viabilizou, a prática dos diversos crimes objetos da acusa-" ção, obtidos mediante empréstimos simulados, além de viabilizarem os mecanismos de lavagem que permitiram o repasse dos valores aos destinatários finais", conclui as alegações.

Sessões

O julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal terá pelo menos 22 sessões transmitidas ao vivo por rádios e televisões. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, terá cinco horas para ler a acusação sobre a qual trabalhou durante todo o recesso de julho. Diferentemente do ministro-relator Joaquim Barbosa, que resumirá seu relatório em 15 minutos, embora dispondo de três horas, Gurgel já disse que possivelmente fará uso de todos os 300 minutos de seu tempo para a leitura do libelo acusatório.
Sob pressão
Roberto Gurgel enfrentou duas saias justas este ano. Com a instalação da CPI do Cachoeira, descobriu-se ! que poderia ter denunciado o senador cassado Demóstenes Torres em 2009, com base na Operação Vegas, da Polícia Federal, o que só veio a acontecer dois anos depois, na Operação Monte Cario. Quando membros da CPI ameaçaram convocá-lo para explicar o ocorrido, (afirmou que se tratava de manobra dos que temiam o julgamento do mensalão).

Correio Braziliense (DF) - 26/07/2012
Da Redação

Nenhum comentário:

Postar um comentário