"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 17 de agosto de 2012

MEMÓRIAS DO MENSALÃO


Caixa 2 e caixa 2 - é crime do mesmo jeito


(Artigo aqui publicado em 15.10.2005)

"Está em curso no país uma cascata destinada a ludibriar a platéia: a idéia é fazer crer que caixa dois é uma irregularidade menor, tão inofensiva quanto a do pipoqueiro que instala sua carrocinha em lugar indevido. A cantilena começou em julho passado, quando o presidente Lula deu uma entrevista durante sua viagem à França dizendo que o caixa dois do PT era algo "que é feito no Brasil sistematicamente".
De lá para cá, o coro engrossou. O ministro Jaques Wagner, coordenador político do governo, tentou difundir a idéia de que caixa dois é uma irregularidade financeira, apenas. Na semana passada, mais duas autoridades vieram a público com a mesma intenção. O vice-presidente da República, José Alencar, admitiu que usou caixa dois em sua campanha ao Senado, em 1998, e afirmou que a punição pelo crime levaria à cassação "todo mundo", ele inclusive.
O recém-eleito presidente do PT, Ricardo Berzoini, disse que o uso do caixa dois faz parte do "folclore político" do país. Ou seja: eles admitem que o caixa dois é ilegal, mas querem passar a impressão de que se trata de uma infração quase inofensiva, generalizada, insignificante.
Existem dois tipos de caixa dois. Um deles é o caixa dois do empresário ou do profissional liberal, cujo propósito é fugir do pagamento de impostos. É um crime grave e com conseqüências sérias, principalmente num país com uma devastadora concentração de renda como o Brasil, na medida em que subtrai clandestinamente recursos que deveriam ser canalizados para o benefício da coletividade.
É disso que são suspeitos os donos da fábrica de cerveja Schincariol, que chegaram a ficar dez dias na prisão e estão respondendo a processo por sonegação de 1 bilhão de reais. A mesma suspeita recai sobre os controladores da butique Daslu, o templo de luxo de São Paulo. A dona da loja, Eliana Tranchesi, ficou algumas horas na prisão. Seu irmão, Antônio Carlos Piva de Albuquerque, passou uma semana atrás das grades.
O outro tipo de caixa dois é o eleitoral, esse que o PT e suas estrelas deram para minimizar. O caixa dois eleitoral não tem a intenção de sonegar impostos, pelo bom motivo de que partidos políticos, assim como as igrejas e as entidades filantrópicas, são isentos do pagamento de tributos. Então, se não é para sonegar, por que um partido faz caixa dois?
"Porque precisa ocultar a origem do dinheiro. E, como financiar campanha política é uma prática absolutamente legal no país, só se precisa ocultar a origem do dinheiro quando ele é fruto de corrupção", diz o criminalista Aldo de Campos Costa, professor de direito da Universidade de Brasília. "O caixa dois eleitoral está sempre associado a crimes gravíssimos, como corrupção e lavagem de dinheiro", completa. "O curioso é que, enquanto a Daslu e a Schincariol negam ter cometido o crime, os partidos políticos não apenas admitem sua prática como ainda a justificam", diz o tributarista Gilberto Luiz do Amaral, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)."

17 de agosto de 2012
Alexandre Oltramari, VEJA

Nenhum comentário:

Postar um comentário