"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 22 de setembro de 2012

DEMOCRACIA PELO AVESSO

Houve um tempo em que a ameaça ao regime democrático consistia na supressão da informação. O deputado André Vargas, secretário de Comunicação do PT, diz que agora é o contrário: a transmissão de informação é que conspira contra a democracia.

Ele vê na transmissão direta pela TV do julgamento do Mensalão uma distorção antidemocrática.

O fato de grande parte da população assistir às sessões do Supremo Tribunal Federal estaria condicionando o voto dos ministros – e condicionando contra o PT, não obstante quase dois terços dos juízes tenham sido indicados pelos governos do próprio partido.

Vargas, como seus companheiros de partido, parece achar que pior que a censura aos meios de comunicação é a sua liberação. E reclama por medidas punitivas aos jornais e jornalistas.

O ex-deputado José Genoíno chegou a equiparar o trabalho da imprensa ao do Doi-Codi, ao tempo do regime militar – a “tortura da caneta”. Lula insiste em tentativa de golpe.

Quem sabe, a partir desse raciocínio, se decida incluir repórteres e editores como réus da Comissão da Verdade?

Nada mais anômalo que a nota divulgada na quinta-feira pelo PT e seus aliados no Congresso. Além de comparar fatos históricos bem distintos e inarticuláveis – 1954 e 1964 com o julgamento do Mensalão -, põe sob suspeita um dos Poderes da República, o Judiciário, e agride a honra pessoal de cada um dos ministros.

Eles, afinal, seriam cúmplices de uma farsa golpista. O mais estranho é que o julgamento ainda não terminou. Em tese, os juízes podem mudar o seu voto e os advogados ainda dispõem de recursos como os embargos de declaração e de infringência.

Não se tem notícia de um julgamento em que, mesmo antes de se saber seu resultado, os réus e seus correligionários ameaçam com recurso às cortes internacionais, manifestações de rua e acusam os julgadores de violar as leis do país (sem, claro, dizer quais).

O presidente do PT, Rui Falcão, adverte que não se deve acuar o partido porque, nessas ocasiões, ele se fortalece e parte para o ataque. Não disse contra quem, mas não é difícil deduzir.
Para quem queria um julgamento técnico, não deixa de ser uma formidável contradição.

Já o ex-presidente Lula encontrou no silêncio sua eloquência máxima. Diante das espantosas acusações de Marcos Valério a Veja – e Ricardo Noblat informa que há um vídeo, gravado pelo próprio, na sequência do escândalo, confirmando o teor do que a revista publicou -, o ex-presidente nada disse.

O PT, por sua vez, duvida que Valério tenha dito o que foi publicado, mas o Valério mesmo não negou nada, pelo menos até aqui.
O silêncio de cada qual tem enredos divergentes e eloquência próprias. Quem silencia diante de tal agravo?
Ora, quem já disse e desdisse tudo que é possível sobre o mesmo assunto.

Lula já reconheceu e pediu desculpas pelo Mensalão. Disse até que foi traído (embora não declinasse o nome dos traidores). Depois, optou pela negação: o Mensalão não teria passado de uma farsa, um golpe – “o maior da história deste país” – contra seu governo.

José Dirceu o atribui às elites, à oposição e à imprensa.
Está tudo gravado e disponível na internet. Dizer mais o quê?

Os ministros do STF julgam a partir dos autos e da documentação (fartíssima: mais de 500 volumes). Não estão inventando uma história, mas contando-a e julgando-a, dentro da lei.
Antes que a concluam já enfrentam a ira e as ameaças dos personagens que compõem o enredo.

Suspender as transmissões, como deseja André Vargas, aí sim, provocaria suspeitas de conchavos.
A TV Justiça revogou a torre de marfim em que o Judiciário historicamente se colocou. E isso é irreversível.

O juiz continua julgando com sua consciência, mas sabe que está sendo visto e avaliado, em sua isenção, lógica e coerência.

Já a democracia do PT, que postula o silêncio da imprensa e a supressão da transparência, esta, sim, carece de isenção, lógica e coerência.
 
22 de fevereiro de 2012
Ruy Fabiano é jornalista

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