"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 22 de setembro de 2012

NOTAS POLÍTICAS DO JORNALISTA CARLOS CHAGAS

 

Nem só os asnos produzem asneiras. Os seres humanos também. Exemplo disso está no discurso pronunciado terça-feira, na Câmara, pelo deputado André Vargas, secretário de Comunicação do PT.

Imaginando desafogar seu partido das evidências da corrupção praticada nos tempos do mensalão, o parlamentar afirmou, da tribuna, haver risco para a democracia brasileira se as sessões de julgamento no Supremo Tribunal Federal continuarem a ser transmitidas ao vivo.



Quer dizer, pregou a censura. Ignorou o quanto nossa democracia progrediu depois que o cidadão comum passou a assistir, ao vivo, eventos de toda espécie, credenciando-o a formar sua opinião sem intermediários.
Tempos atrás ouvíamos apenas pelo rádio o relato das partidas de futebol. Ficávamos na mão de locutores de diversos matizes, uns de boa, outros de má fé, torcendo pelos clubes de sua preferência. Quando íamos ao cinema, uma semana depois, a indignação era geral durante os cinejornais. Não tinha sido nada daquilo que os locutores narraram.

Vieram os fatos políticos mostrados ao vivo, como os comícios das “Diretas Já”, a eleição de Tancredo Neves e sua agonia. Mais tarde, o impedimento de Fernando Collor, a posse do Lula e quanta coisa a mais, até hoje? Para não falar na tragédia das Torres Gêmeas, em Nova York, ou ainda no recente vexame da seleção olímpica de futebol diante do time do México.

Ganhou a democracia, e muito, pelo fato de cada cidadão poder tirar suas próprias conclusões do que se passa à nossa volta. Não dá para turvar ou omitir os fatos, ainda que cada um possa interpretá-los como bem entender.

O Supremo Tribunal Federal, através da TV Justiça, presta inestimáveis serviços à causa pública, pois mostra, vale repetir, ao vivo e sem montagens nem edições, os votos dos diversos ministros, as acusações do Procurador-Geral da República e do relator do processo contra os mensaleiros, assim como a defesa deles, por seus advogados.
Qual o risco para a democracia em podermos ver e ouvir, na hora, tudo o que está acontecendo? Pelo contrário, o regime se aprimora e a população se conscientiza. E se vão aparecendo podres praticados por partidos políticos e por líderes variados, melhor para todo mundo.

André Vargas cometeu o absurdo de culpar o termômetro como causa da febre. Tinha e tem todo o direito de defender sua legenda e de tentar livrar o ex-presidente Lula de quaisquer responsabilidades. Trata-se de questão ainda em aberto, que o desenrolar do processo criminal 470 esclarecerá. Mas não será pela proibição da transmissão direta dos trabalhos da mais alta corte nacional de justiça. Muito pelo contrário.

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OMISSÃO DO PODER PÚBLICO

Importa menos saber se são os banqueiros que exploram os bancários ou se estes é que reivindicam reajustes financeiramente impossíveis de ser atendidos. Vale o mesmo para os funcionários dos Correios, para os policiais, os motoristas de ônibus, os metalúrgicos ou quantas outras categorias de trabalhadores entrem ou se preparem para entrar em greve.

O difícil de entender, na questão, é a omissão do poder público. Seria estultice pretender que os governos, quaisquer que sejam, venham a proibir as greves usando o cassetete e as forças de segurança para sufocar movimentos na maior parte das vezes justos.
O que não dá para aceitar é que, na iminência das paralisações, depois de esgotadas as hipóteses de entendimento direto entre patrões e empregados, os encarregados de manter o funcionamento das instituições lavem as mãos e deixem as coisas acontecer. Porque na grande maioria dos casos sofre a população.

Foi-se a máxima de que greves se fazem contra patrões, porque entre nós elas só prejudicam o cidadão comum. Os grevistas sempre conseguem receber os dias parados e os empresários, tantas vezes estimulando os movimentos de seus empregados, geralmente obtém aumento de tarifas, facilidades fiscais e sucedâneos.

Caso dispuséssemos, por lei, da obrigação de governos eleitos democraticamente começarem a agir, nada disso aconteceria. Bastaria que diante de impasses, a palavra final fosse dada de imediato pelos detentores do poder público, valendo repetir, se existissem leis nesse sentido, obrigando as partes em litígio a submeter-se à decisão final. E antes da deflagração dos movimentos paredistas.

Se é para atender reivindicações, que assim se faça. Se são exageradas, que sejam contidas. Na era das comunicações eletrônicas, tudo pode realizar-se em questão de horas.
Em especial se houver a integração do Judiciário nesse processo onde o Executivo é responsável pela preservação da ordem.
O diabo é que o Legislativo, a quem caberia ordenar essa omissão secular, omite-se também.
Dirão os apressadinhos que tal equação não se completa quando são funcionários públicos a entrar em greve, sendo patrão o governo.

Por causa disso deveria o povo sofrer? Nem pensar, pois a premissa de tudo é evitar que as consequências das paralisações desabem sobre nossas cabeças. No caso dos servidores do Estado, devem ser aplicadas sobre o seu patrão as mesmas regras válidas para o empregador privado. Que os tribunais decidam, mesmo precisando intervir no orçamento da União. Haveria, então, a verdadeira harmonia e integração entre os poderes independentes.

22 de setembro de 2012
Carlos Chagas

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