"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 4 de setembro de 2012

ISADORA, VC É D+

 


RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
Talvez Isadora ainda não saiba. Mas sua coragem a transformou num exemplo para todos nós. Especialmente para os adultos medrosos ou cínicos, que vivem a vida em silêncio covarde ou não acreditam na força de uma ação honesta e cidadã.

A menina de 13 anos, sorriso doce e olhos grandes, denunciou, com fotos e vídeos, todos os malfeitos de sua escola pública em Florianópolis. A página criada por ela no Facebook, chamada Diário de Classe, é um símbolo do uso mais nobre das redes sociais.

As denúncias de Isadora, com a ajuda da tecnologia digital, são um sinal de novos tempos, mais transparentes e menos condescendentes. Estamos no Brasil do mensalão julgado ao vivo, pelos homens e mulheres de capa preta. Aquele mesmo mensalão que os culpados chamavam de ficção.
De tanto repetir que era uma farsa, eles pensavam que convenceriam a nação. Este é um momento histórico. Esperamos que, daqui para a frente, a sem-vergonhice com nosso dinheiro deixe de ser praticada com tanta desenvoltura.

A coragem e a habilidade de Isadora nos ensinam outra coisa. Nós, jornalistas, deixamos de ter o monopólio da informação. Jornais e televisões recebem e divulgam todos os dias imagens feitas por amadores.
São contribuições valiosas. Que ajudam a elucidar crimes. Exibem o desrespeito a pacientes de hospitais, a passageiros de ônibus e trens, a pedestres, a consumidores, a clientes de serviços privados e públicos. Revelam achaques de policiais. Lixo, carros abandonados, vandalismo, discriminação, abusos do poder.

Um caso recente foi o vídeo de um cinegrafista amador no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, onde um restaurante sofreu um assalto no dia 13 de agosto. PMs foram chamados, houve confronto, três dos seis bandidos morreram a tiros e os outros três fugiram.

A pronta ação da PM foi elogiada até que, na semana passada, o vídeo foi divulgado. As imagens mostram um dos três sargentos arrastando a mochila com os R$ 15 mil roubados do restaurante. A PM agora investiga. Vamos ver se vai punir.
A menina catarinense que denunciou no Facebook malfeitos de sua escola pública se tornou um exemplo
 
Nas redes sociais, começou a ser compartilhado há um mês um talão de Multa Moral. Qualquer cidadão pode “multar” simbolicamente quem deixa o carro estacionado em lugar proibido. Baixa-se o arquivo para imprimir o talão e sair com ele no bolso. Indignou-se com uma irregularidade? É só marcar no boleto e deixar no carro do sem-noção que estaciona em vaga de deficiente e bloqueia a calçada. Se for alguém “recuperável”, sentirá vergonha e mudará sua atitude.

Quem fiscaliza, mobiliza e denuncia ao menos se sente ativo. Deveria existir também “multa moral” nas empresas. Assalariados teriam mais coragem de denunciar o assédio e os malfeitos de chefes. Os superiores que se sentem acima do bem e do mal apostam na hierarquia e na intimidação para seguir impunes, em empresas surdas a seus funcionários.

Essas denúncias se chamam exercício da cidadania – uma palavra que vem do latim civitas, ou “cidade”. Cidadania é o conjunto de direitos e deveres na sociedade. É importante ter isso em mente. Não são só direitos. São também deveres. Quando Isadora mostrou a porta do banheiro sem fechadura, o ventilador quebrado, o bebedouro enguiçado, o quadro de luz mexido na surdina pelos alunos, as salas sem professor, ela incomodou a todos: a direção da escola, os professores e os colegas bagunceiros.

Diretores queriam que ela tirasse sua página do ar. Chamaram os pais da aluna rebelde. Preferiam discutir “internamente” para evitar a publicidade negativa. É o que sempre tentaram fazer os políticos, os juízes, os médicos, os policiais. O sigilo é a alma do delito e da impunidade.

Isadora não se curvou à intimidação. “Acho que não estou fazendo nada errado”, disse na televisão. E voltou a vestir sua armadura virtual, soltando o verbo no Facebook: “Professora...Que provas vcs querem? Fotos e vídeos não bastam? (...) Falo pq sei o que acontece e a escola é pública, ‘do povo’. (...) Quanto às câmeras, elas já estão por toda parte, numa instituição pública não podemos querer privacidade. Se nós publicamos fotos e vídeos, somos criminosas. Se só comentamos, estamos acusando sem provas. O que querem afinal?”.

Com o salto de sua página, em dois dias, de 2.388 seguidores para 161.077 curtidas, a escola começou a consertar tudo e trocou o professor faltoso. Nem por isso Isadora parece ter caído na armadilha dos famosos por 15 minutos. “Pelo que vi os Diários de Classe estão se espalhando...
compartilhem essa ideia... quero uma educação melhor, não só pra mim, mas pra todos”.
Ela se propõe a dar consultoria: “Quem quiser fazer um Diário de Classe, cria um em anônimo, não precisa botar sua foto como eu, coloque o nome do colégio, me deixe mensagem avisando, vou dar dicas”. Isadora, vc é d+.

04 de setembro de 2012
Ruth de Aquino, Época

Nenhum comentário:

Postar um comentário