"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O STF FAZ HISTÓRIA

 

 
 
 
O julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) constitui-se, desde já, num marco histórico que abre para o Brasil a perspectiva de um significativo avanço institucional, representado pela consolidação do estado de direito, muito particularmente no que diz respeito ao princípio de que todos são iguais perante a lei.

Esta é a pedra de toque, a razão principal da impressionante mobilização da opinião pública em torno do STF nesses quatro meses e meio em que, com absoluta transparência e respeito à lei penal e aos preceitos constitucionais, os ministros se dedicaram ao exaustivo escrutínio disso que se confirmou como o maior escândalo político da história do País.

Ao final, mesmo levando em conta que do ponto de vista processual há ainda um caminho a percorrer antes da publicação do acórdão que produzirá os efeitos penais do julgamento, todos nós brasileiros podemos nos sentir orgulhosos: foi dado um passo importante para resgatar o Brasil do histórico atraso institucional representado pelo estigma da impunidade dos poderosos.

A construção da democracia é um processo permanente, complexo e tortuoso porque deve perseguir a unidade do bem comum na diversidade dos interesses conflitantes que caracterizam qualquer corpo social. A evolução desse processo, no modelo preconizado por Montesquieu e adotado pela maioria dos Estados ocidentais modernos, está condicionada à observância de fundamentos como o da separação dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e o de que todos são iguais perante a lei.

No Brasil, é triste mas necessário convir, tais fundamentos nunca foram levados muito a sério. E as consequências disso são particularmente graves no que diz respeito à igualdade perante a lei – o que tem tudo a ver com o desempenho do Judiciário, mas também, quando se trata de investigação criminal, de instituições subordinadas ao Executivo, como a polícia e o Ministério Público.

O fato de a investigação criminal do mensalão merecer elogios gerais pela eficiência indica que essa qualidade nunca foi exatamente a regra. Por outro lado, o próprio julgamento da Ação Penal 470 demonstra que a legislação brasileira, em particular a processual penal, abre brechas que permitem a procrastinação indefinida dos feitos.

Tudo isso tem contribuído para que a opinião que a sociedade brasileira tem da Justiça seja impregnada por alta dose de desconfiança: a Justiça tenderia a proteger os interesses dos poderosos, aqueles que se colocam no topo da pirâmide social, deixando a dura lex para ser aplicada aos cidadãos comuns.

Em certa medida, é uma verdade que não se explica necessariamente pela eventual má-fé de legisladores, investigadores e juízes, mas pela complexidade do ordenamento jurídico penal, cujos meandros são geralmente acessíveis apenas a bancas advocatícias muito bem remuneradas.

Foi, portanto, o compreensível sentimento de desconfiança na ação da Justiça que o já histórico julgamento do mensalão conseguiu abalar, provocando o despertar de uma consciência cívica que nos últimos anos vinha sendo mantida em estado ciclotímico graças a uma hábil e deliberada manipulação do sentimento popular – ora excitado com as conquistas econômicas, ora passivo ante as transgressões aos princípios republicanos -, tudo ao sabor dos interesses dos detentores do poder político.

Desprezando o sentimento nacional de regozijo com a condenação dos mensaleiros, Lula, o Grande Manipulador, revelou com muita clareza exatamente o que pensa sobre consciência cívica ao declarar sobre o julgamento, então a meio caminho, que “o povo não está preocupado com isso, mas em saber se o Palmeiras vai cair para a segunda divisão e se o Haddad vai ganhar a eleição”.

O Palmeiras caiu e Haddad ganhou, mas Lula não percebeu quais eram as preocupações do povo.
Hoje, diante das evidências que o contrariam, Lula mantém as barbas de molho, certamente por saber que a sociedade brasileira já tem posição formada em relação ao destino que merecem os poderosos que se julgam “mais iguais” perante a lei.
Esse é o primeiro passo a ser comemorado no sentido da moralização dos costumes políticos que os
ministros do STF balizaram com o julgamento da Ação Penal 470.


Estadão
20 de dezembro de 2012

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