"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

PERDAS E DANOS

 

Como podia acabar bem ou mais ou menos uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada com o propósito de embaraçar o julgamento de uma série de crimes?

Foram Lula e José Dirceu que tiveram a ideia de montar a CPI do Cachoeira ao conferir que seria impossível adiar o julgamento do processo do mensalão - o pagamento de propina para que deputados votassem como queria o governo.

Não se deram ao trabalho sequer de consultar Dilma, que na época viajara ao exterior. O objetivo principal deles era usar a CPI para dividir com o julgamento do mensalão o espaço da mídia.

Afinal, o PT não se desgastaria sozinho se a CPI:

* apurasse as ligações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o então senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e o governador Marcone Perillo (PSDB), de Goiás. DEM e PSDB tomariam juntos um banho de lama.

* constrangesse ministros do Supremo Tribunal Federal (alô, alô, Gilmar Mendes!) sugerindo que eles faziam negócios com Cachoeira. Lula em pessoa procurou Gilmar para conversar a respeito. Levou um corretivo.

* vendesse a tese de que VEJA e Cachoeira atuavam em dobradinha. O bicheiro armava histórias contra o governo - a revista publicava. Retribuía publicando também reportagens do interesse dele. Lula detesta a VEJA.

A CPI herdou do Ministério Público e da Polícia Federal tudo o que eles haviam descoberto sobre Cachoeira e as atividades de sua quadrilha na exploração de jogos eletrônicos.

Quer dizer: nem traballho pesado precisava encarar para justificar seu funcionamento. Uma vez esgotado o período de sua duração, bastaria remeter de volta ao Ministério Público o que dele recebera, e da polícia.

O plano de Lula e de Dirceu começou a dar errado quando a CPI farejou o que não estava previsto no seu scripit: a sociedade de Cachoeira com Fernando Cavendish, dono da construtora Delta.

Cavendish é amigo de políticos poderosos - entre eles Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro. E é reconhecido por todos como um generoso financiador de campanhas eleitorais.

A Delta é responsável pelo maior número de obras do Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal. Mexeu com a Delta significaria mexer com o governo federal e a maioria dos governos estaduais.

A CPI do Cachoeira acabou da forma mais vergonhosa possível: nem mesmo relatório final conseguiu aprovar.

o final melancólico da CPI do Cachoeira

O PSDB salvou Perillo. PSDB e PMDB salvaram a Delta. O governo federal observou à distância, satisfeito.

Lula, Dirceu e o PT ficaram a pé.

Na verdade ficaram em pior situação. O fracasso da CPI coincidiu com o sucesso do julgamento do mensalão.

20 de dezembro de 2012
Ricardo Noblat

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