"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 27 de novembro de 2012

A BALCANIZAÇÃO DA EUROPA

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Crise econômica fortalece separatistas europeus (Reprodução/Internet)

Em vez da europeização dos Balcãs, estaríamos testemunhando o início da balcanização da Europa?
No domingo, 25, a população catalã foi às urnas para eleger um novo parlamento regional, e independentemente de como ficou a divisão dos assentos entre os partidos, uma coisa ficou absolutamente clara após o anúncio do resultado: a maioria do eleitorado catalão quer um referendo sobre a possibilidade de declarar a independência da Espanha. Se e como a Catalunha pretende se separar permanece um mistério, mas essa possibilidade não está mais no campo da ficção. De fato, em alguns anos podemos estar falando não só da ex-Espanha, como da ex-Bélgica e do antigo Reino Unido.
 
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Tudo isso deve soar familiar para quem acompanhou a dissolução da ex-Iugoslávia. As semelhanças entre o colapso do estado multinacional de Josip Broz Tito e as atuais agitações separatistas em toda a Europa são evidentes em dois níveis.

Primeiro, há uma clara divisão norte-sul na União Europeia e, segundo, há uma divisão norte-sul dentro de alguns países europeus: pense na Escócia, no Reino Unido e na Valônia, na Bélgica. Assim como ocorre com as divergências continentais , os habitantes do norte em pelo menos três países europeus estão fartos de subsidiar o que veem como sulistas preguiçosos e gastadores. A raiva é palpável quando os alemães falam dos gregos, por exemplo, ou quando os catalães reclamam do resto da Espanha, ou os flamengos mencionam os valões, na Bélgica. No caso do Reino Unido a divergência é mais aparente quando os escoceses denunciam que Londres está roubando o seu petróleo.

Paralelo com os Balcãs

Olaf Tempelman, ex-correspondente para a Europa Oriental do jornal holandês De Volkskrant, resumiu bem o paralelo entre os Balcãs na década de 1990 e o conflito atual entre o sul e o norte da Europa. Ele argumentou que a Croácia e a Eslovênia toleravam contribuir para o desenvolvimento das regiões mais pobres da Iugoslávia, como o Kosovo e a Bósnia, “somente enquanto a prosperidade era mantida, e desde que os habitantes não percebessem muito o seu entrelaçamento com as outras regiões. ”

Quando o dinheiro acabou, entretanto, uma endividada Iugoslávia começou a passar de uma crise econômica a outra, e as coisas começaram a mudar. “O atual slogan do norte europeu ‘Nem mais uma centavo para as nações do alho’ é assustadoramente parecido com o slogan esloveno da época: ‘Sem mais fundos para a zona biftek (do bife),”‘ escreveu Tempelman.

Tais comparações são evidentes para os povos dos Balcãs já há algum tempo. Na Sérvia, a nova onda de separatismo europeia é discutida com um toque de schadenfreude (palavra derivada do alemão Schaden (dano) e Freude (alegria), utilizada para designar o prazer obtido dos problemas). Quando a Iugoslávia se separou, muitos sérvios disseram que a febre da secessão, que começou como um câncer no país, se espalharia rapidamente para o resto da Europa se não fosse contida rapidamente. Agora, alguns sérvios se sentem vindicados, mesmo se este argumento em particular não funcione tão bem. Enquanto Milosevic teve como objetivo a fundação de uma Grande Sérvia e Tudjman queria uma Grande Croácia, as regiões da Catalunha e do Flandres não têm tais ambições.

‘Confederação assimétrica’

Quase um ano atrás, o jornalista sérvio Momcilo Pantelic descreveu essas semelhanças no jornal Politika, o maior de Belgrado. Falando sobre as dificuldades da UE, ele observou que as discussões em curso sobre uma Europa multifacetada pareciam as propostas horríveis do final dos anos 1980 e início dos anos 90 para transformar a Iugoslávia em uma “confederação assimétrica.” Da mesma forma, disse ele, “o slogan da época ‘fraternidade e unidade dos povos iugoslavos” é semelhante à posição atualmente defendida por Bruxelas, ou seja, que os interesses comuns devem prevalecer sobre a inimizade nacional e as diferenças”.

Desde o fim da guerra dos Bálcãs, em 1999, a europeização da ex-Jugoslávia é vista quase como uma certeza. A ideia é que a paz, estabilidade e segurança virão para os Estados sucessores na medida em que se movimentarem em direção a adesão à UE. A ex-República iugoslava da Eslovênia aderiu em 2004, a Croácia vai entrar no próximo ano e os outros estão seguindo em velocidades diferentes. A balcanização da Europa, pelo contrário, provavelmente levaria à criação de um grupo de países relativamente pequenos que lutariam para sobreviver em uma Europa fragmentada, sem influência para defender seus interesses.

Seria tolice descartar essas possibilidades inteiramente. A UE e os Estados dentro dela que discutem a secessão precisam encontrar novos e viáveis modelos de cooperação. Se sábias cabeças prevalecerem, estes caminhos podem ser encontrados. Se não, a alternativa é a balcanização da Europa. Isso seria uma verdadeira tragédia.

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