"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 29 de dezembro de 2012

REGISTRO HISTÓRICO DE MILES DAVIS E JOHN COLTRANE

Selo suíço lança concerto do célebre quinteto gravado em Zurique, em 1960

O selo Biscoito Fino, de Olivia Hime e Kati de Almeida Braga, basicamente comprometido com música popular brasileira de alta qualidade – Chico Buarque, Francis Hime, Paulinho da Viola & Companhia Limitada – abrigou por algum tempo, no seu catálogo, gravações de concertos de relevância artística e histórica de legendários jazzmen feitas na Suíça, pela rádio pública aquele país, nas décadas de 50 e 60. Tais lançamentos – infelizmente interrompidos – foram extraídos da série Swiss Radio Days, do catálogo da TCB, etiqueta sediada em Montreux, e incluíram, entre outros registros, memoráveis apresentações, em Lausanne, de Ella Fitzgerald com o trio de Oscar Peterson (1953) e dos Jazz Messengers de Art Bakey, dos tempos de Wayne Shorter, Lee Morgan e Bobby Timmons (1960).
Encontro histórico de Miles Davis e Coltrane
Encontro histórico de Miles Davis e Coltrane
Mas a TCB continua editando e distribuindo, lá fora, a série Swiss Radio Days, que já está no recém-lançado volume 31 - um álbum muito especial, a merecer a atenção e a audição dos jazzófilos que se prezam e, em particular, dos que cultuam a música e a figura de Miles Davis.

Este CD de quase uma hora - até então inédito em edições “oficiais” - contém uma apresentação em Zurique, de abril de 1960, do quinteto do “Prince of Darkness” com o saxofonista John Coltrane, no último tour de “Trane” como integrante desse conjunto em que estavam também Paul Chambers (baixo), Wynton Kelly (piano) e Jimmy Cobb (bateria).
Ou seja, o mesmo grupo que – tirante o sexto membro, o sax alto Julian “Cannonball” Adderley – gravou, em 1959, Freddie freeloader, uma das cinco faixas do antológico LP Kind of blue (nas outras quatro faixas, incluindo a mais famosa, So what, o pianista era Bill Evans).

Um ano depois das sessões de estúdio de Kind of blue, o concerto de Zurique documenta o desenvolvimento daquela atmosfera modal, pontilhista, que Miles estava então criando. E flagra a gestação das hipnóticas sheets of sound de Coltrane, que seriam registradas, em todo o seu paroxismo, já nas sessões do Village Vanguard, no ano seguinte (cf. The complete 1961 Village Vanguard recordings, da Impulse).

Em Zurique, depois de uma breve introdução dos músicos pelo empresário Norman “Jazz at The Philarmonic” Granz, Miles, Coltrane e a seção rítmica – com interlúdios do piano sempre preciso e elegante de Kelly – recriam, em improvisações bem mais extensas e tensas do que as versões originais, So what (15m30), All blues e Fran-dance.
A segunda faixa do disco, If I were a bell (8m15) é uma reinvenção inteiramente “modalizada” do já então bem conhecido tema sobre o qual este mesmo grupo (mas com Red Garland no lugar de Wynton Kelly) improvisou, em 1956, no LP Relaxin' (Prestige).

O concerto de abril de 1960 não chega a ser um “elo perdido” na evolução estilística de Miles Davis entre os antológicos Kind of blue e Miles smiles (1966) – este o primeiro grande disco do “segundo quinteto”, com Wayne Shorter (sax tenor), Herbie Hancock (piano), Tony Williams (bateria) e Ron Carter (baixo).
Mas é um item precioso na discografia davisiana porque “representa a total imersão de Miles na modalidade jazzística, essencialmente pela primeira vez num ambiente ao vivo”, como bem destacou Richard C. Ferris, em resenha do álbum da TCB para a loja virtual Amazon.

29 de dezembro de 2012
Jornal do Brasil, Luiz Orlando Carneiro

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