"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 29 de dezembro de 2012

DESCENDENTES DE LÍDERES CHINESES FORMAM ELITE QUE USA PODER PARA ENRIQUECER

Levantamento da agência Bloomberg mostra que famílias daqueles que lideraram reabertura do país hoje têm privilégios semelhantes ao de monarquias


Ajuda bem-vinda. Parente de Zhou Enlai, ex-premier chinês, recebe auxílio para chegar a restaurante em Beidaihe, balneário onde a elite do Partido Comunista se reúne Foto: The New York Times/11-7-2012
Ajuda bem-vinda. Parente de Zhou Enlai, ex-premier chinês, recebe auxílio para chegar a restaurante em Beidaihe, balneário onde a elite do Partido Comunista se reúneThe New York Times/11-7-2012
 
PEQUIM - Na China comunista pós-Mao Tsé-tung, uns são mais iguais que outros. Levantamento divulgado pela agência Bloomberg mostra que um grupo de 103 pessoas formado por descendentes dos chamados Oito Imortais — os líderes que comandaram a abertura do país ao capitalismo — constitui uma elite cujos privilégios e costumes remetem às aristocracias monárquicas, num misto de poder e dinheiro que gerou um estilo de vida inimaginável para o cidadão médio chinês.

Quase sempre colocando o Estado a seu serviço, esta restrita rede continua a se valer de suas conexões para acumular ainda mais influência e bens. Desta estrutura nasceram os chamados “principezinhos”, descendentes dos Imortais que ocupam postos-chave dentro e fora da burocracia de Pequim.
É diante deste panorama que as tensões populares resultantes da grande desigualdade em território chinês ganharam em força e frequência nos últimos anos, no maior desafio para o futuro presidente, Xi Jinping.

Entre os Oito Imortais se destacam Deng Xiaoping, líder político da China entre 1978 e 1992, o grande arquiteto das mudanças que abriram a economia do país e contribuíram para a redução da pobreza; Bo Yibo, vice-premier durante quatro mandatos e pai de Bo Xilai, expulso da cúpula do Partido Comunista Chinês sob acusação de corrupção após a pressão pública surgida com o envolvimento de sua mulher no assassinato de um empresário inglês; e Wang Zhen, herói militar cujos filhos ajudaram a criar algumas das maiores companhias estatais chinesas.
Em comum entre os oito, o fato de terem sido, junto com suas famílias, os maiores beneficiados pelas reformas ocorridas nas últimas décadas; e de terem em seus descendentes pessoas com gosto pela educação no exterior e pela iniciativa privada.

De acordo com os dados obtidos pela Bloomberg, pelo menos 30 representantes dos clãs estudaram nos Estados Unidos ou na Europa, 11 deles em instituições de elite, como as universidades de Harvard e Stanford.
Da mesma forma, 34 moraram, trabalharam ou compraram propriedades nos EUA, enquanto 43 se tornaram executivos em negócios privados. Para o professor Joseph Fewsmith, da Universidade de Boston, os EUA foram um porto seguro para os que foram perseguidos durante os anos da Revolução Cultural (1966-1976):

— O coelho esperto tem três tocas — diz Fewsmith, estudioso da elite chinesa, citando um provérbio do país. — Eles podem diversificar seus ativos, obter educação de qualidade e garantir uma terceira saída caso tudo dê errado.

Ganhos com a abertura
 
Durante as quase quatro décadas de poder dos Imortais, mais de 600 milhões de chineses deixaram de ser pobres; 100 milhões trocaram suas bicicletas por carros; a população passou a comer seis vezes mais carne que em 1976; e a China se tornou a segunda maior economia do mundo. Mas os benefícios reservados à maioria param aí.

Coube aos filhos dos Imortais controlar, nos anos 1980, os então recém-criados conglomerados estatais; na década seguinte, o mesmo grupo abocanhou o mercado imobiliário e domou a fome do país por carvão e aço. Hoje, os netos dos Imortais trabalham em fundos de participação no contexto da integração da China à economia global.
 
Segundo os números compilados pela Bloomberg, 26 herdeiros assumiram altos cargos em companhias estatais que dominam a economia. Três deles — Wang Jun, filho de Wang Zhen; He Ping, genro de Deng Xiaoping; e Chen Yuan, filho de Chen Yun, o responsável pela política econômica nos anos 1980 — lideraram ou ainda estão à frente de empresas públicas cujos ativos somavam US$ 1,6 trilhão em 2011, o que equivale a mais de um quinto do PIB chinês. Como resultado de tal poderio, as famílias consolidaram fortunas privadas à medida que a China avançava rumo à economia de mercado.
 
O apetite dos descendentes dos Imortais não poupa nem a própria história recente chinesa. Dois dos filhos de Wang Zhen planejam construir em um vale próximo a Nanniwan, onde o pai salvou o exército de Mao Tsé-tung da fome, um empreendimento turístico de US$ 1,6 bilhão, misto de resort e atrações que remetem à época da revolução. Um dos filhos, Wang Jun, hoje com 71 anos, foi um dos responsáveis pela criação de duas estatais de peso: Citic, de investimentos, e China Poly, da área de defesa.
 
— Nós nunca esqueceremos a amizade do povo de Nanniwan. Temos a responsabilidade de contribuir com seu crescimento econômico — disse Jun, há dois anos, quando anunciou o empreendimento.
 
Desejos crescentes
 
A região, no entanto, ainda acumula casas de um cômodo e sem calefação. Os moradores, antes esperançosos, pensam se o projeto vai seguir adiante, trazendo moradias mais modernas e novos empregos:
 
— A fama de Nanniwan não ajudou muito seus moradores — disse Hui Yanjun, que vive na região. — No passado, todos os trabalhadores eram iguais, comiam e viviam juntos, fossem soldados ou líderes. Agora, é diferente.
 
Em uma entrevista concedida à Bloomberg em um clube de golfe na cidade de Shenzhen, Wang Jun afirmou que a China de hoje cumpre com as esperanças da geração de seu pai:
 
— O Partido Comunista queria que todas as pessoas fossem ricas, para que suas vidas melhorassem. Durante a revolução, se elas estivessem satisfeitas depois de comer e tivessem roupas suficientes para se manter aquecidas, ficariam muito satisfeitas. Mas agora os desejos das pessoas só crescem.

29 de dezembro de 2012
O Globo

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