"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 29 de dezembro de 2012

LIVRO SOBRE O MENSALÃO: O "ENCANTO PETISTA" SE DESFEZ?



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Livro de Marco Antonio Villa narra com ares jornalísticos o escândalo do mensalão (Reprodução/Internet)

Historiador Marco Antonio Villa lança livro sobre julgamento, documentando o escândalo deste os seus primórdios até a dosimetria
O julgamento do mensalão, vulgo “do século”, nem havia terminado e já acontecia, no último dia 10 de dezembro, em São Paulo, o lançamento do primeiro livro sobre este que para alguns, inclusive para o autor, é um dos mais importantes capítulos da história recente do Brasil, senão de toda a história desta podre República. Trata-se da obra “Men$alão – o julgamento do maior caso de corrupção da história política brasileira”, do historiador Marco Antonio Villa (Editora LeYa; 392 páginas; 31,90 reais).

O livro de Marco Antonio Villa tem orelhas, apresentação e uma epígrafe de página inteira recheada de adjetivações sobre o mensalão e seus artífices escritas não apenas pelo autor, mas tomadas emprestadas de declarações do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e do decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello: “cultura da transgressão”, “prática ordinária e desonesta do poder”, “marginais do poder”, “sórdidas práticas criminosas”, “delinquentes”, “sofisticada organização criminosa“, “o maior escândalo da história” e, por último, mas não por menor importância, “projeto de poder de continuísmo seco, raso. Golpe, portanto”.

Tudo, talvez, para preparar o estômago do leitor para um longo relato com ares jornalísticos sobre o escândalo do mensalão, relato que se inicia com um capítulo sugestivamente intitulado "O assalto" e que abarca desde a reportagem da revista Veja publicada em maio de 2005 sobre o vídeo mostrando um funcionário dos Correios, Maurício Marinho, chamando Roberto Jefferson de "doidão" até a fase da dosimetria, ou seja, da definição das penas para os condenados por participação no esquema de corrupção que, antes de fomes zeros ou assistencialismos eleitoreiros que tais, marcou a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva.

O Estado dos apadrinhados, genros…

Entre a reportagem de Veja e a dosimetria no STF, a história mais que recente contada por Marco Antonio Villa passa por episódios como o governo Lula liberando R$ 773 milhões para parlamentares a fim de tentar evitar a instauração da CPI dos Correios; pelo senador Eduardo Suplicy assinando o requerimento de CPI com lágrimas nos olhos, pelo banho de mídia, por assim dizer, dado por Roberto Jefferson em José Dirceu, sintetizado no famoso "Sai daí, Zé!" dito em uma sessão da Comissão de Ética da Câmara, para delírio da imprensa presente; pelo relatório final na CPI, em que o nome de Lula não apareceu uma vez sequer ao longo das 1.800 páginas, prenunciando o que aconteceria no inquérito do Ministério Público e no próprio julgamento do mensalão; e pela minuciosa, mas não maçante, descrição do dia-a-dia dos trabalhos no Supremo, com direito à reprodução ipsis literis do embate entre Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, acerca do desmembramento do processo, logo no primeiro dia do julgamento.

E talvez esteja aí o maior mérito do livro: reviver em uma brochura só quase oito anos de muitas notícias sobre gigantescos mal feitos levados a cabo no alto escalão da administração da República: toda uma gama de escândalos secundários dentro de um escândalo maior, algo que nem sempre as rotinas de produção da imprensa dão conta de encadear e dar sentido ao seu conjunto a ponto de fazer com que a indignação seja proporcional ao colossal tamanho da podridão do velho Estado brasileiro.

É o velho Estado dos apadrinhados, genros, amigos enriquecendo por meio da gigantesca teia da burocracia estatal, do dinheiro sujo, clandestino, lavado, escamoteado, sendo repassado a parlamentares em quartos de hotéis, transportado via cuecas e malotes, movimentado até em carro forte (Simone Vasconcelos alugou um para levar R$ 650 mil de uma agência do Banco Rural para a filial em Brasília da SMP&B de Marcos Valério), ou mesmo sacado na boca do caixa de bancos parceiros da farra.

‘Tese das urnas’
Já o maior "senão" do livro express de Marco Antonio Villa talvez seja exatamente a pressa em afirmar que o escândalo do mensalão desfez o "encanto petista". Está certo que Villa se refere à imagem do PT como defensor da ética na política, da moralidade, enquanto organização contrária a "tudo isto que está aí", frase de efeito que os dirigentes e a militância cansaram de repetir durante os anos em que o partido fazia oposição.

Porém, fato é que nas urnas o PT continua, digamos, "encantado", algo de que os próprios condenados do mensalão não param de se gabar. Como o autor bem ressalta, José Dirceu, na reunião da direção nacional do PT realizada logo após o veredicto com sua condenação, disse que a melhor resposta que o partido poderia dar seria vencer as eleições municipais deste ano, como de fato venceu, e derrotar "nossos adversários". Já Genoino, quando condenado, cacarejou: "O julgamento da população sempre nos favorecerá".

Ainda acerca do que chama de "tese das urnas", Villa cita também a declaração dada pelo ex-presidente Lula na Argentina na sequência das condenações dos companheiros, de que sua reeleição em 2006 havia sido sua "absolvição". O historiador se refere a uma entrevista de Lula ao diário portenho La Nación em que o ex-presidente disse: "Eu já fui julgado. A eleição da Dilma foi um julgamento extraordinário. Para um presidente com oito anos de mandato, sair com 87% de aprovação é um grande juízo e não me preocupo com nada".

‘O país vai continuar normal’
"Estabelecendo um paralelo absolutamente inexistente entre os votos dos ministros em um processo recheado de provas e uma eleição presidencial, em que o eleitor escolhe um candidato em meio a uma campanha", diz Villa com precisão, já nas últimas páginas do livro, sobre a declaração de Lula na Argentina, mas acossado pelo fato de que toda a sórdida história por ele narrada parece que não resultará em consequências mais práticas, diretas, para a política nacional, muito menos para o chefe do Executivo à época da vigência do esquema do mensalão como principal instrumento para a perpetuação do seu partido no poder.

Já se tenta desqualificar o livro de Marco Antonio Villa com base no suposto fato de que ele é um intelectual ligado, ou no mínimo simpático a grupos de poder eleitoreiros rivais do PT, como de fato ele deixa transparecer logo na abertura do livro ao contextualizar a eclosão do escândalo do mensalão:

"Luiz Inácio Lula da Silva já havia completado metade do seu mandato presidencial. Não havia nada de especial que notabilizasse seu governo. Se a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto, em 2004, tinha sido de 5,7%, a do ano anterior havia se mostrado muito ruim: 1,1%. Isso quando, em 2002, último ano da gestão de Fernando Henrique Cardoso, a taxa tinha alcançado 2,7%".

É do jogo. O mesmo acontece, mas no sentido inverso, quando um livro anti-tucano é publicado por alguém, assumidamente ou não, ligado ao PT. Isto apenas evidencia a miséria da nossa literatura política. O livro de Villa talvez seja uma exceção, em parte, devido ao seu teor altamente documental.

"O país vai continuar normal", disse Marcos Valério lá no início da CPI dos Correios, e na página 38 do livro de Marco Antonio Villa, referindo-se à sua convicção de que a República não cairia por sua causa, mas talvez também profetizando, com a autoridade de um "verdadeiro profissional do crime", nas palavras do ex-procurador Antonio Fernando de Souza, que não há imprensa, polícia, comissão, tribunal ou livro capaz de mudar a natureza corrupta de um Estado que parece só funcionar na base da falcatrua, seja lá a sigla que se empoleirar no poder.

29 de dezembro de 2012
Hugo Souza

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