"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 30 de maio de 2013

BC NÃO ELEVOU SELIC PARA BAIXAR INFLAÇÃO, MAS PARA TENTAR SALVAR CREDIBILIDADE DE DILMA

... E a sua própria



A presidente Dilma Rousseff cometeu uma grande bobagem na reunião dos Brics, no fim de março, ao opor medidas de combate à inflação ao crescimento econômico, sugerindo — depois ela tentou negar — que este tinha prioridade sobre aquele.
A frase: “Esse receituário que quer matar o doente, em vez de curar a doença, é complicado. Vou acabar com o crescimento no país? Isso está datado. Isso eu acho que é uma política superada”.
Depois começou um esforço danado para demonstrar que a imprensa é que estava imaginando coisas. O fato é que se entendeu que estávamos diante de um governo leniente com a inflação. A credibilidade do Banco Central, que já não estava lá essas coisas, sofreu um novo arranhão. Bem, de lá pra cá, a economia insiste em crescer abaixo das expectativas, a inflação se mostra renitente, o governo esgotou seus truques, e não restou, no arcabouço dado, outra coisa a fazer que não… elevar a taxa de juros!!!
 
Houve um ciclo de queda da taxa, mês a mês, de julho de 2011 (12,5%) a outubro do ano passado, quando chegou a 7,25%, assim se mantendo até março passado, mês da declaração infeliz. Em abril, houve elevação de 0,25 ponto e, agora, de 0,5 ponto, voltando aos 8% de julho de 2012.
É importante destacar que o BC tomou a decisão de elevar a taxa acima do que apostava o próprio mercado (0,25) no dia em que o IBGE divulgou o crescimento sofrível, decepcionante, do primeiro trimestre: 0,6% sobre o trimestre anterior — apostava-se em 1%. A indústria amargou numero especialmente ruim. Bem, então é preciso voltar àquela Dilma que discursou nos Brics, confrontando a sua fala com a decisão do BC.
 
Parece que o Copom resolveu dar uma resposta aos chamados mercados. Uma relação convencional de ação e reação recomendaria a elevação mínima possível ou até elevação nenhuma.
Com o crescimento ruim que se anuncia, poder-se-ia perguntar por que elevar os juros, medida que caminha, como é evidente, na contramão do… crescimento. Porque o BC — e, é possível, o próprio governo — decidiu passar uma mensagem diferente, ou mesmo contrária, àquela emitida pela presidente no encontro dos Brics: a inflação é que é a prioridade. Ponto! Fez-se uma opção pela credibilidade.
 
Vamos ver. Elevação de taxa Selic demora para chegar aos consumidores. As Donas Gilsilenes e os Seus Wandersons não têm a menor noção do que isso significa. Já a inflação… Ocorre que a inflação que mais incomoda os pobres, a dos alimentos, não sofrerá impacto nenhum nos próximos meses.
O mesmo vale para a de bens duráveis e serviços. Em suma: o BC não elevou a taxa com o intuito de baixar a inflação no mês que vem porque isso não acontece. Com o desemprego baixo, ainda que o consumo tenha sido refreado, a verdade é que há gente querendo comprar, e o país produz menos e a preços mais elevados do que seria desejável.
 
O Brasil vive um quadro de crescimento baixo, inflação alta, déficit fiscal, déficit externo… e alta ansiedade porque se julgava que o governo não estava nem aí. Afinal, se o consumo é a âncora do modelo, seria preservado a qualquer custo.
Foi a mensagem que Dilma passou em março. O estoque de popularidade e de credibilidade da presidente junto aos mais pobres — e isto é apenas um fato — não exibe sinais de baixa. A inflação acima da meta ainda não corroeu a sua imagem.
 
Mas é, sim, impressionante o desgaste da presidente junto às elites econômicas — e NÃO EMPREGO aqui a palavra “elite” em sentido pejorativo, não. De certo modo, a imagem de Dilma tem sofrido uma reversão, voltando a ser a daquela senhora dos primeiros tempos, que parecia mais ser autoritária do que ter autoridade.
A elevação da taxa de juros, menos do que baixar a inflação — se ela cair, não será por isso; não com uma taxa a 8% ou 8,25% — vem para tentar recompor a imagem da presidente junto a esses setores. Certamente se considera por lá que essas forças têm um poder irradiador nada desprezível. Entre outras coisas, elas podem começar a se interessar por outros postulantes à Presidência.
 
Algum impacto no consumo dos mais pobres — pequeno, quase nada — a elevação da Selic há de ter em alguns meses (se a inflação cair, repito, não será por isso; caso a taxa salte para 12%, aí seria outra conversa).
Mas o assunto não estará sendo debatido amanhã nas ruas. Ainda que os de menor renda viessem a sentir um efeito imediato, Dilma tem gordura para queimar. Já com aqueles outros setores, os, como chamarei?, grande operadores da economia propriamente, a coisa não anda nada bem. O BC elevou a Selic para ver se eleva a credibilidade da presidente, e a sua própria, com essa turma.
 
30 de maio de 2013
Reinaldo Azevedo - Veja

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