"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 28 de maio de 2013

ENTREVISTA COM CACÁ DIEGUES - PRODUTOR E DIRETOR DE CINEMA

“Devo ser um coronel de merda”
Cacá Diegues-Produtor e diretor de cinema
 

Nascido em Maceió, o cineasta Carlos Diegues é um dos fundadores do Cinema Novo, movimento cinematográfico influenciado pelo Neo-realismo italiano e pela Nouvelle Vague francesa. Desse movimento, surgiram nomes de peso da sétima arte nacional como os renomados Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra.
 
Em 1961, em colaboração com David Neves e Affonso Beato, o mesmo, realizou o curta-metragem Domingo, um dos filmes pioneiros do movimento.
 
Em 1962, no CPC, Diegues dirige seu primeiro filme profissional, em 35mm, Escola de Samba Alegria de Viver, episódio do longa-metragem Cinco Vezes Favela (os demais episódios são dirigidos por Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Marcos Farias e Miguel Borges). Seus três primeiros longas-metragens – Ganga Zumba (1964), A Grande Cidade (1966) e Os Herdeiros (1969) – são filmes típicos daquele período voluntarista, inspirados em utopias para o cinema, para o Brasil e para a própria humanidade.

Polemista inquieto, ele continua a trabalhar como jornalista e a escrever críticas, ensaios e manifestos cinematográficos, em diferentes publicações, no Brasil e no exterior.
Em 1969, após a promulgação do AI-5, Diegues deixa o Brasil, vivendo primeiro na Itália e depois na França, com sua esposa, a cantora e musa da Bossa Nova Nara Leão.
De volta ao Brasil, Diegues realiza mais dois filmes – Quando o Carnaval Chegar (1972) e Joanna Francesa (1973). Em 1976, dirige Xica da Silva, seu maior sucesso popular.
Em 1978, Diegues inventa em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a expressão “patrulhas ideológicas”, para denunciar alguns setores da crítica que desqualificavam os produtos culturais não alinhados a certos cânones da esquerda política mais ortodoxa. Nesse período de início da redemocratização do país e de renovação do cinema brasileiro, realiza Chuvas de Verão (1978) e Bye Bye Brasil (1980), dois de seus maiores sucessos.

Em 1981, integrou o júri no Festival de Cannes. Em 1984, realiza o épico Quilombo, uma produção internacional comandada pela Gaumont francesa, um velho sonho de seu realizador.
Numa fase crítica da economia cinematográfica do país, realiza dois filmes de baixo custo, Um Trem para as Estrelas (1987) e Dias Melhores Virão (1989). Na mesma fase, realiza, em parceria com a TV Cultura, Veja esta Canção (1994).
Quando a nova Lei do Audiovisual finalmente é promulgada, ele é um dos poucos cineastas veteranos ainda em atividade – trabalhando com comerciais, documentários, videoclipes. A maioria dos 18 filmes de Diegues foi selecionada por grandes festivais internacionais, como Cannes, Veneza, Berlim, Nova York e Toronto, e exibida comercialmente na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina – o que o torna um dos realizadores brasileiros mais conhecidos no mundo.

É oficial da Ordem das Artes e das Letras (l’Ordre des Arts et des Lettres) da República Francesa. Também é membro da Cinemateca Francesa. O governo brasileiro também lhe concedeu o título de Comendador da Ordem de Mérito Cultural e a Medalha da Ordem de Rio Branco, a mais alta do país. Tem dois filhos, Isabel e Francisco, do seu casamento com Nara Leão.
Tem três netos: José Pedro Diegues Bial (2002), filho de Isabel; e Monah André Diegues (2004) e Mateo André Diegues (2005), filhos de Francisco. Desde 1981, é casado com a produtora de cinema Renata Almeida Magalhães.

Nessa entrevista exclusiva ao portal Panorama Mercantil, o alagoano que adotou o Rio de Janeiro como sua cidade desde os 6 anos de idade, fala de tudo um pouco, desde às artes e indo até a política, e ainda rebate com força, uma crítica pesada do cineasta pernambucano Cláudio Assis, que o chamou de “coronel” do cinema nacional.
 
Panorama Mercantil-Em uma entrevista, o diretor Cláudio Assis, afirmou que  o senhor juntamente com a família Barreto, são os coronéis do cinema nacional.  Como vê essa forte declaração?

 
Cacá Diegues-Há anos que não ganho um edital público, nem mesmo com “5XFavela”, um filme que estava dando uma oportunidade a mais de 250 jovens moradores de favela que desejavam ser cineastas. Devo ser um “coronel” de merda. 
Panorama-O senhor leva em consideração a análise dos críticos sobre a sua obra?

 
Diegues-Leio as críticas com atenção, mas sei distinguir as que valem à pena e as que não valem. Também escrevo sobre cinema, desde jovem. E acho que já vi mais filmes e escrevo melhor do que muitos dos críticos. 
Panorama-Quando o cinema brasileiro se tornará uma indústria de fato?

 
Diegues-Quando for um consenso que todos os filmes precisam ser feitos para ocuparem todas as telas, quando a diversidade for reconhecida como a principal virtude de nosso cinema. 
Panorama-Muita gente (entre os quais alguns cineastas) afirmam que  o Brasil coloca demasiadamente, a “estética da pobreza” nas telas, sendo que deveriam enaltecer outros aspectos. O senhor considera essa visão válida?

 
Diegues-Não sei o que é “estética da pobreza”, uma expressão muito ambígua. Sou a favor da defesa dos pobres, mas contra a defesa da pobreza. 
Panorama-O senhor afirmou há alguns anos, que sem uma forte  parceria com a televisão, o cinema brasileiro não teria futuro. Ainda pensa da mesma forma? E se pensa, nos diga porque chegou a tal conclusão?

 
Diegues-Cheguei a essa conclusão observando o mundo e o que se passa no audiovisual de todos os continentes. Nesse sentido, estamos atrasados algumas décadas, com essa besteira recorrente de opor cinema e televisão. 
Panorama-Em uma certa oportunidade, o senhor afirmou que o que afastava o brasileiro do cinema, era a recessão econômica. De alguns anos para cá, a economia se fortaleceu, mas mesmo assim temos poucos expectadores nas salas, se formos comparar o tamanho da população. Onde está o erro então?

 
Diegues-Hoje se faz filmes em todo lugar do mundo e se multiplicaram os meios de difusão deles. A sala não é mais a única forma de mostrar um filme e quem pensa assim está sendo um dinossauro preconceituoso. 
Panorama-Os EUA fornece apenas 3% do seu mercado para o cinema estrangeiro. Aqui no Brasil ocorre o contrário, são os brasileiros que lutam para ter um pequeno espaço de exibição nas salas do seu próprio país. Isso nunca irá mudar?

 
Diegues-Só quando os nossos filmes forem, em todos os segmentos, melhores do que os deles. 
Panorama-Por que as pessoas tem sempre a mania de dizer que o  senhor “aderiu ao sistema”. Se “aderir ao sistema” é levar a sua arte a um número maior de pessoas, com uma estrutura financeira melhor do que se tinha em outrora, isso não seria bom?

 
Diegues-Não me incomodo com isso, nem penso sobre isso. Faço os filmes que tenho necessidade pessoal de fazer, para que os outros encontrem algum divertimento, conhecimento e encantamento em suas vidas. 
Panorama-Hoje conhecendo como poucos o cinema nacional, o senhor considera possível fazer um filme altamente crítico e humanista, e ainda captar recursos para o mesmo?

 
Diegues-Depende de aonde você pretende captar. A verdadeira democracia na produção de cinema no Brasil será quando houver guichês para todos os tipos de filmes. 
Panorama-O senhor disse em uma certa ocasião que esse não era o país dos seus sonhos, mas se fosse um intelectual do PT, um cineasta do PSDB ou um artista do PCdoB jamais poderia dizer isso. Afinal, a arte representa interesses, e quem não representa esses interesses “está fora” por assim dizer?

 
Diegues-O intelectual existe para fazer pensar e não para agradar partidos. Não quero submeter o que penso a nenhuma cartilha partidária. 
Panorama-Alguns dizem que o cinema hollywoodiano é maléfico  porque tira as condições de igualdade de exibição com o resto do mundo.  Outros dizem que o cinema hollywoodiano é benéfico, afinal é a indústria  que movimenta a sétima arte em escala global. E o senhor acredita que ela é  benéfica ou  maléfica?

Diegues-Depende do filme a que você estiver se referindo. Os americanos aprenderam a fazer filmes ao gosto mundial. Alguns são bons, outros são muito ruins. Alguns bons não são muito vistos, outros ruins fazem sucesso. Não é justo, mas não posso proibir o público de ir ao cinema e ver o filme que quiser.
 
Panorama-Alguns cineastas, afirmam que o cinema produzido no Brasil ainda está atrás dos nossos vizinhos, especialmente de Argentina,  Uruguai e Chile. Até que ponto isso é uma  verdade?

Diegues-Não é e nunca foi verdade. Vemos no Brasil apenas os poucos filmes bons de outros países latino-americanos, ignoramos a farta produção de porcarias que não são exportadas. Mas isso também se passa conosco, não podemos dizer que somos melhores do que eles.
 
Panorama-O que o senhor pode adiantar de “O Grande  Circo Místico”, que o senhor deve começar a filmar em outubro desse ano?

Diegues-Que é um filme que sonho fazer há muito tempo e para o qual estou me preparando há três anos.

28 de maio de 2013
Colaboração do Jornalista Eder Fonseca
Panorama Mercantil

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