"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 14 de maio de 2013

O CORONEL USTRA: HERÓI DE SI MESMO E DOS TORTURADORES E OUTRAS NOTAS DO JORNALISTA HELIO FERNANDES

Com 59 anos, derrotado duas vezes em São Paulo, Mercadante quer ser presidente depois de Dona Dilma. Serra não deixa de ser presidenciável.




O coronel Brilhante Ustra (muito mais ustra do que brilhante) torturava por prazer. Guardadas as proporções, era como Pinochet (Chile) e o general Videla (Argentina), que gostavam de assistir torturas. Ustra torturava com as próprias mãos, no seu acervo de terrorista, mais de 50 mortos.

Agora se julga um “herói da Pátria”, queria defender o Brasil do pavor do comunismo. O Brasil nunca esteve perto disso, nem mesmo em 1935, quando Prestes veio da União Soviética (com Olga, a terrorista que invadiu uma prisão de segurança máxima, na Alemanha, para libertar o marido) para a revolução, um fracasso total.

Nunca estive preso com o coronel Ustra, ele só atuava em São Paulo. Mas seu “terrorismo” e o prazer pela tortura chegavam ao Doi-Dodi da Barão de Mesquita. Fui para lá, várias vezes, a ordem era cumprida: “Não podem torturar o jornalista, intimidação, ameaças, tortura física de jeito algum”.

Não pretendiam me preservar. Como eu era um nome nacional, se eu morresse, o que podia acontecer facilmente, tinham certeza de que a repercussão nacional e internacional derrubaria a ditadura.

Estive quatro vezes com o coronel Fiuza de Castro como comandante. Era filho do general Fiuza de Castro, que nomeado ministro da Guerra pelo presidente Café Filho, não tomou posse, o general Lott não deixou. Isso em 1955, nove anos antes do golpe.

CORONEL USTRA, HERÓI DOS TORTURADORES

Demoravam me fazendo perguntas tolas, eram uns idiotas, mas não deixavam de lembrar, em tom de ameaça: “Se o coronel Brilhante Ustra estivesse aqui, as coisas seriam diferentes”. Enquanto eu era interrogado, ouvia os gritos dos jovens entre 20 e 22 anos, que sofriam.

Eram todos de classe média alta, sabiam que chegariam os “pistolões”, teriam que soltá-los. Uma noite, o próprio ministro Orlando Geisel (que nominalmente era o chefe de tudo) chegou lá com o general Cordeiro de Farias. Este, quando foi governador eleito de Pernambuco, fez muitos amigos. O filho de um advogado tinha sido preso, ele telefonou para o ministro, que foi ao Doi-Codi. O menino já havia sido torturado, foi levado embora.

Estive lá mais duas vezes, o comandante era o coronel Ariel Paca. Foi diferente. De uma tradicional família de militares, estava constrangido no cargo. Nas duas vezes conseguiu me transferir para o HCE (Hospital Central do Exército).

O ambiente era de terror mesmo. Os policiais que me levavam, diziam: “Sofremos quando somos escalados para trazer alguém”. Parávamos numa pracinha enorme, os oficiais que estavam esperando, diziam às gargalhadas: “Então, doutor, o senhor escreve contra nós, mas acaba sempre aqui”. O que fazer? Eu tinha medo, mas não deixava que eles soubessem ou percebessem.

Esse é o retrato simplíssimo de um regime autoritário, arbitrário e atrabiliário, que durou 21 anos. E que agora o coronel Ustra quer transformar em lição de heroísmo.

ONTEM, DIA DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO, O ESCRAVIZADO MERCADANTE FEZ 59 ANOS

Eleito senador em 2002, tinha o futuro pela frente e a festa do suplente. Era tido e havido como ministro da Fazenda do eleito Lula, que maravilha viver. Não foi coisa alguma, o presidente eleito nomeou Palocci, desenterrado do lixo de prefeito, cheio de irregularidades (acabou demitido desonrosamente).

Foi feito líder do governo no Senado. Irritado, chateado, revoltado, pediu “demissão irrevogável”. Lula não aceitou e ainda tripudiou. “quem diz o que é irrevogável sou eu”. Mercadante continuou, o que fazer?

Em 2010, a segunda derrota para governador, voltou para Brasília, sem lenço e sem documento, apenas liquidar as coisas, retornar a São Paulo. Surpreendentemente, nomeado ministro da Educação. E mais do que isso: confidente de Dona Dilma e acompanhante obrigatório em todas as viagens dela ao exterior.

Agora, quando Lula procura quem indicar ou eleger governador de São Paulo, Mercadante se antecipa: “Não sou candidato”. Naturalmente, para quem já perdeu duas vezes. Mas ele tem outro plano já combinado com Dona Dilma, com base na reeleição dela.

Quando Dona Gleisi deixar a  Casa Civil para tentar o governo do Paraná, Mercadante ocupará o cargo, que acumulará com a coordenação da reeleição. Confirmada esta, em 2018, com 64 anos, será o mais previsível presidenciável do PT. Mas não esquecerá 2002.

E se lembrará sempre de 2018, se acumular outra derrota. Entre esquecer e não se lembrar, Mercadante só terá como consolação uma consulta ao Houaiss.

AÉCIO PREOCUPADO COM SÃO PAULO

Na verdade não consegue deixar de pensar em Serra. Considera que o ex-prefeito e ex-governador tem um potencial eleitoral enorme. Acha que ele perdeu a eleição para prefeito por acidente de percurso e não por falta de votos.

Só que não consegue ver Serra a seu lado em 2014. E já deu por encerrada, agora em 2013, a tentativa de atraí-lo.
Sua visão sobre Serra: ainda alimenta esperanças de aparecer como presidenciável. Assim, só voltaria a tentar se compor com ele no ano que vem. Outro grande problema: não tem o que oferecer a ele.

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 PS- Mafra, fui preso em 1963 (antes do golpe) por ter publicado uma circular “confidencial e sigilosa” do ministro da Guerra a 12 generais. Um desses 12 me deu a circular, como engavetá-la?

PS2 – Fui julgado pelo Supremo, me enquadraram na Lei de Segurança, pediram 15 anos de prisão para mim. O julgamento ficou 4 a 4, o presidente do Supremo, Ribeiro da Costa, desempatou a meu favor. (Podia desempatar contra).

PS3 – Por trás de tudo, o presidente João Goulart, que acreditava que a Tribuna da Imprensa ainda era do Carlos Lacerda.

14 de maio de 2013
Helio Fernandes

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