"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 15 de junho de 2013

ARQUITETURA DA VIOLÊNCIA

 

O profeta Gilberto Carvalho bem que avisou, no final do ano passado: “Em 2013 o bicho vai pegar”. Já pegou.

Os distúrbios originados em São Paulo, e que se alastraram por diversas capitais, tendo como pretexto aumentos irrisórios nas passagens de ônibus, não são o primeiro – e provavelmente não serão o último – sinal de que o bicho está solto.

Basta ver as igualmente orquestradas invasões de terras produtivas e devidamente tituladas (algumas há mais de um século) por índios e sem-terra no início do mês, igualmente secundadas por ações policiais, que resultaram em violência.

Quem (e por que) soltou o bicho? No caso dos índios, o ministro Gilberto Carvalho deu sua contribuição, garantindo a lideranças indígenas que ficassem tranquilas, que a lei não seria cumprida, isto é, que não seria feita a reintegração de posse.



Não há maior estímulo à violência que a garantia de impunidade. Mas voltemos aos protestos de São Paulo (que agora já se reproduzem em diversas capitais).

Os que acreditam que os atos de vandalismo que marcaram o início do movimento foram espontâneos e de natureza popular estão vendo o filme errado. Trata-se de mais um capítulo escrito para a campanha eleitoral do ano que vem.

A violência policial, previsível e desejada pelos organizadores dos protestos, não é causa, mas consequência da ação dos arquitetos da violência. Quando o choque se estabelece, é inútil supor que a civilidade prevalecerá. Quando se “solta o bicho”, todos, envolvidos ou não no conflito, correm risco.

E aí não faz sentido reclamar da ação policial, criticá-la como uma aberração em si mesma, quando é efeito de uma provocação que buscava exatamente pô-la em cena.

Toda violência é reprovável, mas a responsabilidade maior cabe a quem a provoca. Não se pode reclamar das consequências, sem considerar as causas, que obviamente a precedem.

Não há povo no comando. Basta que se examine o perfil socioeconômico dos que lideram o movimento, a que muitos aderiram de boa fé. A Folha de S. Paulo de anteontem menciona, entre os líderes do movimento, gente que reside no milionário condomínio de Alphaville – e que seguramente não usa ônibus.

Ainda que os usassem, não faria sentido, dentro da mais elementar lógica do custo-benefício, expor-se a tais riscos pelo acréscimo de dez centavos no preço da passagem (o aumento foi de 20 centavos, mas, como estudante paga meia, o aumento real para os que protestam é de apenas dez centavos).

Depredaram lojas, picharam ônibus, perturbaram a vida dos transeuntes e passageiros (estes, sim, gente do povo), em nome de uma causa insustentável: a gratuidade do transporte público. Sabe-se que não há jantar grátis. Alguém sempre paga a conta.

No caso em pauta, se a gratuidade se estabelecesse, o custo reverteria em aumento de impostos, a ser bancado pela população, em nome de quem os líderes do movimento Passe Livre – vinculados ao PT e a partidos de esquerda, como PSOL e PSTU -, mesmo sem qualquer delegação, pretendem falar.

Jornais e telejornais de anteontem – terceiro dia dos protestos - exibiram cenas de linchamento de um único PM, Wanderley Vignoli, por um grupo de onze manifestantes.

Deixaram-no sangrando na cabeça e o desfecho só não foi pior porque, a certa altura, o agredido sacou de seu revólver, do qual não fez uso, e conseguiu dispersar seus agressores.

Era inevitável que a radicalização se estabelecesse. No dia seguinte, a ação policial, que nos dois primeiros dias havia sido pacífica, foi truculenta, atingiu gente inocente, inclusive jornalistas que faziam a cobertura da manifestação.

Chegou-se ao que as lideranças queriam: ao irracionalismo. As vítimas da violência policial são exibidas como troféus, como se atestassem a condição de vítima dos que bolaram todo aquele vandalismo. Também essas vítimas devem ser debitadas à conta das lideranças do falso protesto, mero pretexto para radicalizar a cena política e preparar o ambiente da próxima campanha eleitoral.

São esses personagens – a classe média que odeia a classe média - que colocaram o cassetete e as pistolas de bala de borracha na mão da PM. E, em nome do povo, conseguiram tornar ainda mais infernal sua rotina.

15 de junho de 2013
Ruy Fabiano é jornalista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário