"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 8 de junho de 2013

"USE A CABEÇA, SENHOR JUIZ"



 Enfim, uma unanimidade. A escolha do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, o advogado Luís Roberto Barroso, que pode dar o voto decisivo sobre o mensalão, agradou a todos — governistas e opositores, comentaristas e críticos, simpatizantes da defesa e da acusação. Dilma teria resistido à tentação de inocular na Corte mais uma carta marcada petista, como Lewandowski e Toffoli.
 
O juízo geral parece ser de que Barroso é politicamente equilibrado e seu julgamento será sóbrio e técnico. Sendo isso mesmo, fica difícil entender o falatório do novo ministro nos últimos dias.
 
Em plena sabatina no Senado, Luís Roberto Barroso achou que devia opinar sobre o processo do mensalão, julgado por seus futuros colegas. E declarou que o Supremo “endureceu” nesse caso.
 
Com seu palpite, Barroso julgou de uma vez só o jogo jogado, os juízes do jogo e o prognóstico para o resultado final. Depois ressalvou que não estudou nada do processo e só estava dizendo isso porque já tinha dito antes.
 
O problema é que antes o palpite era só um palpite. Agora ele estava apenas esperando a toga para entrar em campo como juiz.Com uma pitada da sobriedade que lhe atribuem, Barroso poderia ter dito que suas opiniões como advogado sobre um processo onde agora será juiz, naturalmente, não vêm ao caso.
 
São papéis completamente diferentes, e a primeira responsabilidade de um alto magistrado a serviço do Estado é mostrar, justamente, que não será na Corte um advogado de suas opiniões pregressas.
 
Quem quiser conhecê-las que vá ao Google. Na sabatina, Barroso ressalvou que aquele era o único momento em que falaria livremente, pois em seguida mergulharia na discrição do cargo.
 
Ora, ele já estava virtualmente no cargo. Todos sabiam que suas chances de aprovação beiravam os 100%. Evidentemente, suas declarações foram para as manchetes não como opiniões de um jurista, mas como o pensamento do novo ministro do STF.
 
O que provocou repercussões imediatas — inclusive com declaração de outro ministro do STF encampando a tese do julgamento “duro” no caso do mensalão.
 
Em bom português, o sóbrio, equilibrado e técnico Luís Roberto Barroso inaugurou sua carreira de juiz fazendo política. O que significa sua declaração de que o Supremo endureceu? Significa que no seu voto ele vai amolecer? E se não for isso, por que não simplesmente se calar e ir estudar o processo? É bom não perder de vista o que significa o STF amolecer nas decisões sobre os recursos dos réus do mensalão.
 
Significa desde o abrandamento de penas até a possibilidade de os chefes do esquema escaparem da prisão. O novo ministro disse que o rigor da Corte no mensalão foi “um ponto fora da curva”.
 
O que quer dizer isso? Barroso está dizendo que o Supremo Tribunal Federal se excedeu? Ou que o Supremo errou? Sim, porque não existe mulher meio grávida, nem sentença meio certa. Existe sentença meio mozarela e meio calabresa — e essas são muito comuns.

08 de junho de 2013
Guilherme Fiúza, O Globo

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