"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 12 de julho de 2013

JARBAS: "PRESIDIDO POR RENAN, UM DOS ALVOS DAS RUAS, SENADO VIVE FALSA SENSAÇÃO DE DEVER CUMPRIDO'

 


Em entrevista ao blog, o senador Jarbas Vasconcelos disse que o Senado tornou-se uma Casa de fantasia. “É presidido por um dos alvos das ruas e vive uma falsa sensação de dever cumprido.” Na avaliação de Jarbas, Renan Calheiros faz “um esforço sobre-humano pra ficar bem com a opinião pública.” 
O senador acha, porém, que isso não é possível.
 
Por quê? “Uma das reivindicações das ruas é a saída dele da presidência do Senado”. Jarbas recorda que, ao reassumir o posto que abdicara em 2007, Renan “subestimou um abaixo-assinado com de 1,6 milhão de assinaturas. Alegou que era coisa da internet. Agora a internet foi pras ruas.”
 
Jarbas tornou-se no Senado um personagem incômodo. Tenta levar a voto a sua PEC 18 –ou ‘PEC dos mensaleiros’, como apelidou. Trata-se de uma proposta de emenda à Constitução que torna automática a cassação de congressistas condenados no STF por improbidade ou crimes contra a administração pública.
 
Jarbas não conseguiu enfiar sua PEC dentro da “agenda positiva” de Renan Calheiros.
Mas seus discursos e apartes passaram a soar no plenário do Senado como maquininha de dentista. Nesta semana, Jarbas bateu ponto na tribuna. Dicursou na segunda, na terça, na quarta e na quinta. 
Nesta sexta, a maquininha voltará a zunir. O som é uniforme: PEC 18, PEC 18, PEC 18, PEC 18…
 
Na noite passada, Renan deu por encerrada a primeira fase da agenda que montou para saciar as ruas. Falando aos colegas, jactou-se da produção do Senado. Jarbas não se conteve. Do microfone de apartes, dirigiu cobranças a Renan e críticas azedas aos senadores que, a seu juízo, ajudaram seu desafeto a desconversar sobre a PEC 18.
 
Jarbas investiu contra Eduardo Braga, líder do governo no Senado e relator da sua PEC na Comissão de Constituição e Justiça. Alvejou também o presidente da comissão, Vital do Rêgo, responsável pela escolha de Braga para o papel de relator. Seguiu-se um rififi verbal.
Suprema ironia: Jarbas, Renan, Eduardo e Vital pertencem ao mesmo partido: PMDB.
 
A broca de Jarbas abre, por assim dizer, uma cárie no esmalte que Renan tenta passar na própria imagem. No penúltimo lance da contenda, Jarbas jogou no colo do presidente do Senado, com a ajuda do amigo Randolfe Rodrigues, líder do PSOL, um requerimento assinado por 99% dos líderes partidários do Senado. Eles pedem a apreciação da PEC 18. Vai abaixo a entrevista de Jarbas.


— O que prevê a PEC 18?

Essa PEC surgiu em função da discussão do presidente do Supremo, o Joaquim Barbosa, com os presidentes da Câmara, o Marco Maia e o sucessor dele, Henrique Alves.
Os dois lados se dizem aptos a declarar a perda de mandatos de parlamentares condenados.
A PEC elimina qualquer tipo de dúvida. Estabelece que a palavra final sobre a cassação dos mandatos é do Supremo em todos os casos de condenação por improbidade administrativa ou crimes contra a administração pública.
Nesses dois casos, a cassação seria automática. Evitaríamos cenas constrangedoras como as proporcionadas por esse deputado de Rondônia, o Natan Donadon.
Condenado pelo Supremo, estava no Congresso. Recebeu ordem de prisão e foi para a cadeia como deputado. Até que a Câmara o casse, continua com o mandato.
É constrangedor. A PEC acabaria com isso. Estabelece que cabe à Câmara e ao Senado simplesmente referendar as decisões do Supremo.

— Quando foi apresentada a PEC?

Apresentei em abril. Em maio, procurei o Vital do Rêgo, presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Passaram-se mais de 20 dias e ele ainda não tinha designado um relator. Tomei a liberdade de sugerir o Aloysio Nunes Ferreira, líder do PSDB. Disse a ele que Aloysio é inatacável, uma pessoa que não tem denúncia contra ele, não responde a inquérito no Supremo. É figura destacada nessa legislatura. Usei essas palavras.
 
— E ele?

Foi muito atencioso comigo. Mas não disse sim nem não. Uma semana depois, vi um despacho dele na Comissão de Justiça indicando como relator o Eduardo Braga, líder do governo. Conversei com um assessor do Eduardo, que conheço apenas pelo primeiro nome: Roberto. Ponderei que isso não daria certo para o Eduardo Braga, porque ele responde a inquérito no Supremo. Não seria uma coisa boa pra ele. Imaginei que o recado seria dado, já que eu estava falando com uma pessoa do gabinete dele.
Conversei também com o Vital do Rêgo. Disse a ele: olha, houve um erro nisso aí. Sugeri o Aloysio. Você pode acolher ou não, tudo bem. Mas você indicou uma pessoa que tem inquérito no Supremo. Um inquérito acolhido agora, em maio.
 
— Qual foi a reação do senador Vital a essa observação?

Ele fez ouvidos de mercador. Eu pedi pressa. Isso tudo aconteceu numa fase em que as ruas estavam vazias. Os protestos ainda não existiam. Disse a ele que era um assunto importante, que seria bom se a gente votasse. E fiquei em cima dele.
 
— Não falou com Eduardo Braga?

Fui a ele também. Não falei nada sobre o inquérito dele no Supremo. Pedi apenas que fosse célere. Ponderei que a proposta era importante. Ele respondeu que já estava vendo. Disse que já tinha encomendado à assessoria dele um parecer. Eu disse: mas é muito simples, Eduardo. Minha PEC não tem nenhum mistério. Apenas define uma interpretação, para acabar com essa conversa de que a Câmara tem a palavra final na cassação de parlamentar condenado pelo Supremo.
 
— A PEC caminhou?

Não. Ficou na mesma. Até que vieram as ruas, em meados de junho. Aí foi um corre-corre. O Renan parecia que ia atropelar tudo. Chegou a dizer até que não teria mais o recesso de julho.
Montou uma tal de agenda positiva. Eu pedi que a PEC 18 fosse incluída nessa agenda. Desde então, vivo uma saga. Só nesta semana, fui para a tribuna na segunda, na terça, na quarta e na quinta. E nada.
Se querem uma agenda positiva, nada pode ser mais positiva do que essa PEC dos mensaleiros. Nesta sexta, voltarei à tribuna. E na segunda. E na terça. E na quarta…
 
— Como reage o senador Renan?

Fez cara de paisagem todas as vezes que mencionei o assunto no plenário. No começou, ele disse que tinha que ser aprovada na comissão de origem antes de chegar ao plenário. Aí eu fui à comissão. E quebrei a cara. Falava com o presidente [Vital do Rêgo] e com o relator da PEC [Eduardo Braga]. E nada.
 
— A agenda dos últimos dias incluiu uma outra PEC, referente aos suplentes de senador. Ela passou pela comissão de origem?

Não. Esse assunto foi votado duas vezes. Na primeira, o relator, Luiz Henrique da Silveira, deu o parecer direto no plenário. Foi rejeitada a proposta. No dia seguinte, apareceram com outra, relatada também em plenário pelo senador Francisco Dornelles. Foi um arranjo. O Dornelles fez esse arranjo com o sentimento de que o Senado precisava  resolver o problema. Fez para tirar o Senado da zona de crítica em que entrou com a rejeição da primeira proposta. Mas foi um arranjo.
 
— Portanto, mediante acordo, sua PEC também poderia ser relatada diretamente no plenario, não?

Claro. Tudo no Congresso depende de decisão política para caminhar. Esse argumento de que teria de passar pela comissão de origem é uma bobagem enorme. Eles não querem votar. O presidente da Comissão de Justiça mentiu. Mentiu pra mim e voltou a mentir no plenário. O sujeito passa dois meses com uma proposta pra ser relatada e vem com a conversa de que é normal. É normal coisa nenhuma!
 
— Por que acusa o senador Vital do Rêgo mentir?

A PEC foi encaminhada para o Eduardo Braga no dia 13 de maio. Neste final de semana completa 60 dias. Pelo regimento, ele teria 30 dias para apresentar o relatório. Ora, se não relatou nesse prazo, tinha que ter devolvido. Se não devolveu, o presidente da comissão teria de requerer e designar outro relator.
 
— O senador Vital afirma que o sr. demorou oito meses para entregar o relatório de um projeto que lhe foi confiado. Houve isso?

Rebati de pronto. Era uma proposta que, se a memória não me trai, tratava da regulamentação de escuta telefônica feita pela polícia.
O ministro da Justiça, que era o atual governador do Rio Grande do Sul, o Tarso Genro, me procurou. Foi pessoalmente ao meu gabinete. Pediu que eu sustasse a leitura do relatório porque havia a possibilidade de construção de um entendimento.
Foi retirado da pauta porque atendi a uma solicitação do Ministério da Justiça. Depois, o ministro mandou três assessores para discutir conosco, dos quais dois eram muito bons. Ajudaram bastante. Fizemos um trabalho conjunto. Foi aprovado por unanimidade. Ao mencionar esse episódio, ele [Vital] foi incorreto de novo.
 
— O sr. tinha bom relacionamento com o senador Eduardo Braga, não?

Tinha, é verdade. Ele participou de algumas reuniões em minha casa, quando tentamos estruturar um grupo de senadores interessados em fazer a Casa avançar. Eu disse a muita gente, inclusive a você, que o senador Eduardo Braga estava acima da média do PMDB.
 
— Por que teve essa impressão?

Além de ser uma pessoa muito articulada, ele tinha objetivos claros. Queria ir pra cima do Renan, do Sarney. Dizia que eram personagens muito ruins.
Fiz uma visita a Manaus. Ele me recebeu. Nessa época ele dizia que queria mudar os rumos do PMDB. Nas nossas reuniões, era um dos críticos mais contundentes das práticas do partido. Depois deu tudo pra trás. Numa reunião, veio falar de cargos. Eu disse: vou ficar calado, porque essa não é a minha praia. Sou dissidente, não tenho participação nisso. Hoje está claro que ele não queria mudar coisa nenhuma. Buscava um espaço onde pudesse se encaixar. Conseguiu. Quando ele foi escolhido para líder do governo, eu cheguei a louvar a escolha. Disse isso publicamente. Eu não tinha nenhum pé atrás com ele.
 
— O que mudou?

Fui percebendo as coisas. E agora me irritei com a tentativa de me ludibriar. Eles tentaram me engambelar. Pensaram que eu fosse um qualquer. Acharam que fariam comigo o que fazem com os outros. Queriam me fazer de bobo, de idiota. E imaginaram que eu iria engolir tudo calado. Não me conhecem. Esse jogo de empurra tem limites. Comigo não!
 
— O sr. declarou que a agenda positiva do Senado foi uma lorota. Não exagerou?

Não é exagero nenhum. Foi lorota mesmo. Um engodo. O que adianta você aprovar um projeto que tipifica o crime de corrupção como hediondo se você não consegue aprovar uma PEC que dá celeridade às punições? O que importa mais, oferecer meios de acelerar a punição ou arrumar uma tipificação pomposa para o crime? O que precisamos fazer é combater a impunidade. Um dos principais fatores que levaram as pessoas às ruas foi uma irritação generalizada com a impunidade. A aversão à impunidade unifica todo mundo: jovens, velhos, pobres, ricos, tudo mundo.
 
— Portanto, mantém a avaliação de que agenda positiva é lorota?

Sem nenhuma dúvida. Renan está fazendo um esforço sobre-humano pra ficar bem com a opinião pública, como se isso fosse possível.
 
— Não é possível?

Claro que não. Uma das reivindicações das ruas é a saída dele da presidência do Senado. Mas ele, ao se recandidatar ao cargo, já subestimou um abaixo-assinado de 1,6 milhão de assinaturas. Alegou que era coisa da internet. Agora a internet foi pras ruas. E o resultado apresentado como suposta resposta às ruas foi precário, medíocre e improvisado. O Senado vive uma fantasia. É presidido por um dos alvos das ruas e vive uma falsa sensação de dever cumprido. Isso tudo é conversa pra boi dormir.

— Não leva em consideração a aprovação de propostas como a PEC das domésticas e a mudança do rito de apreciação dos vetos presidenciais?

Em relação a esses pontos, os senadores não fizeram nada além de cumprir com a obrigação. Esse tipo de trabalho deveria ser permanente. Houve aqui um fingimento. Disseram: ‘Ah, vamos votar todos os dias, inclusive às segundas e sextas.’ Conversa fiada. Não houve quórum para aprovar nada relevante. Agora volta tudo ao que era antes. Aqui, só há votação na terça e na quarta. Nem na quinta se vota mais. Virou tradição.
 
— Na sua opinião, por que Eduardo Braga se absteve de relatar a PEC 18 a despeito desse pano de fundo conturbado?

Ele agiu assim por corporativismo e em causa própria.
 
— Causa própria?

Claro. Não poderia nem ter aceitado a relatoria da proposta. Responde a inquérito no Supremo. O relator é o ministro Gilmar Mendes, que recebeu a denúncia no dia 2 de maio. Renan Calheiros também foi denunciado pelo procurador-geral. Nesse caso o relator é o ministro Ricardo Lewandowski.
 
— Está convencido de que o fato de os dois serem alvos de denúncias no Supremo foi decisivo para que a PEC 18 não caminhasse?

Não tenho mais dúvidas disso. E tem outra coisa que as pessoas não estão se dando conta. Falei na tribuna no discurso que fiz nesta quinta-feira. Há uma conversa no Congresso de aprovar uma proposta acabando com o foro privilegiado para políticos.
 
— Isso é ruim?

É péssimo. O nome é pomposo e provoca repulsa. Foro privilegiado soa mal. Houve uma época em que isso realmente representava um privilégio. O sujeito era denunciado e o processo era engavetado. O mensalão foi um divisor de águas nessa matéria. Houve o julgamento. As condenações impressionaram. Agora temos um deputado preso, o Donadon. Então, é preciso raciocinar: acabou o privilégio. De repente, começam a falar aqui em eliminar o foro privilegiado. Pra quê? Ora, pra devolver os processos contra parlamentares à primeira instância, onde ninguém vê nada, onde a imprensa não consegue acompanhar, onde as possibilidades de recurso são infinitas. É muito mais fácil pressionar um juiz singular do primeiro grau do que onze ministros do Supremo.

— Foram encaminhados ao senador Renan dois requerimentos: um, assinado por quase todos os líderes, pede uma pauta especial para votar a PEC 18 no plenário. Outro é assinado individualmente pelo sr.. Que resultados espera obter?

Falarei sobre isso no discurso que farei no plenário nesta sexta-feira. Como você disse, são dois requerimentos. O dos líderes foi assinado por todos. Só não assinaram o Paulo Davim, do PV, que tinha viajado; e o líder do PT, que não quis procurar para não criar constrangimento. O senador Randolfe Rodrigues [líder do PSOL, apresentou esse requerimento. O Renan disse que submeterá a voto na terça-feira. Estarei lá. Se o requerimento for derrotado, vou pedir verificação nominal da votação. Farei isso para que fique registrado no painel quem é contra o corporativismo no Congresso e quem é a favor do corporativismo. A sociedade precisa saber quem não quer votar a PEC dos mensaleiros. O outro requerimento, assinado por mim, pede o cumprimento do regimento. Prevê o seguinte: se o relator designado não apresenta o relatório, o presidente tem de requerer o projeto de volta e nomear outro relator. Nesse caso, o relatório é lido no plenário.

12 de julho de 2013
Blog Josias de Souza - UOL

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