"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 17 de julho de 2013

PARA LULA, CHEFE DA GANGUE DO MENSALÃO, PROBLEMA DO BRASIL É O SEU (DELE) SUCESSO

  Para Lula, problema do Brasil é o seu sucesso
 
 


Existem muitas teorias sobre o movimento que levou mais de 1 milhão de pessoas às ruas no outono brasileiro. Mas nenhuma explicação é tão extraordinária quanto a que Lula expôs em artigo distribuído pela agência de notícias do The New York Times.
Para ele, o Brasil desceu ao asfalto porque é um país das maravilhas.
 
Lula atribuiu o tsunami de protestos ao “sucesso econômico, político e social” obtido nos dez anos de inquilinato do PT no Planalto. A pobreza e a desigualdade foram reduzidas, disse ele. Há mais jovens nas universidades. Famílias pobres compraram carro e passaram viajar de avião. E o brasileiro, tomado por uma sensação de incômoda felicidade, foi às ruas para pedir mais.
 
Lula teorizou: é natural que os jovens desejem mais, especialmente aqueles que têm coisas que seus pais nunca tiveram. Ele realçou: o Brasil não é o Egito nem a Tunísia. Aqui há democracia. O Brasil tampouco é a Espanha ou a Grécia. Aqui o desemprego é baixo. A expansão econômica e social não tem paralelos na história.
 
No Brasil das maravilhas de Lula, o número de estudantes universitários dobrou. Mas a rapaziada não aprendeu muita coisa. Os jovens não sabem o que foi a repressão da ditadura militar nos anos 60 e 70. Eles não sofreram com a inflação galopante dos anos 80. Não se lembram da estagnação e do desemprego que tisnaram os anos 90. Empunham faixas e cartazes porque o Brasil, antes de conhecer a extrema felicidade, já foi infeliz e eles não sabiam.
 
Políticos, cientistas e jornalistas torram os miolos em busca das explicações para o que se passou em junho. Com Lula a coisa é bem mais simples. Ele dispensa o estudo aprofundado. Dá de ombros para a exegese de coincidências e fatos obscuros.

Lula manuseia verdades religiosas, quase dogmáticas. Além de chegar facilmente às explicações unificadoras, ele se autodispensa de pensar.
 
Lula contesta os especialistas que enxergam nas ruas uma rejeição à política. Dá-se justamente o contrário, ele acredita. Autoproclamado porta-voz do meio-fio, ele ensina que os manifestantes buscam aprofundar a democracia, incentivando as pessoas a participar do processo.
 
Até aqui, a participação mais efetiva da rapaziada foi a tomada das bandeiras vermelhas, a expulsão dos militantes partidários das passeatas, e a abertura do fosso que sorveu a popularidade de governantes como Dilma Rousseff.
Mas Lula parece antever um futuro promissor e harmonioso.
 
Até porque, segundo diz, os partidos políticos não podem ser silenciados. Sempre que isso ocorreu, sobrevieram desastres: guerras, ditaduras e perseguições de minorias. Sem partidos, escreveu Lula, não há democracia verdadeira. Ele tem toda razão. Os detratores das legendas deveriam ser processados por atentado contra o regime democrático. O diabo é que os inimigos dos partidos encontram-se dentro deles. E nenhuma agremiação  se animou a processar seus filiados.
 
Lula não mencionou no artigo a aversão das ruas à corrupção. Natural. Além de não ornar com o excesso de felicidade, o tema mexe com os mortos. Entre eles o PT, defunto mais ilustre da era Lula. O atestado de óbito anota: “suicídio”. Daí, talvez, a dificuldade de Lula de fazer alguma coisa parecida com uma autocrítica.
 
Já no seu primeiro mandato, o PT adotou uma conduta estranha, algo psicótica. Perdeu a autoestima. Virou um Narciso às avessas. Cuspiu na própria imagem. No Planalto, na Esplanada, nos desvãos de autarquias e estatais, por onde passaram o PT e seus neoaliados fizeram pior o melhor que puderam.
 
Lula, como já ficou esclarecido, não sabia de nada daquilo que o PT fez. Aliás, coisas como o mensalão ele até hoje não acredita que tenham acontecido.
É munido dessa inocência culpada - ou seria culpada inocência?- que o articulista defende a “renovação profunda” do PT. Citou no artigo a conveniência de recuperar a ligação com os movimentos sociais. Para quê? Para “oferecer novas soluções para novos problemas.”
 
No fundo, o que atrai no artigo de Lula não é a explicação pueril. O que encanta no texto é a simplicidade retórica. O mais extraordinário de tudo é a desobrigação de pensar. Ao falar em “novos problemas”, Lula se exclui da crise.
Ele cita Dilma para dar uma “boa notícia”. Qual? Ela já “propôs um plebiscito para realizar a tão necessária reforma política”.
Ah, sim, “ela também propôs um pacto para a educação, saúde e transporte público.”
 
O mundo pode dormir tranquilo, eis a mensagem de Lula. As ruas protestam por causa do excesso de prosperidade. O PT deixará de ser o partido do faturo para retomar saltar da sepultura como o partido do futuro. E o Congresso presidido pelo Renan Calheiros ajudará Dilma a colocar os seus pactos em pé.

17 de julho de 2013
 Josias de Souza - UOL

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