"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 6 de agosto de 2013

USO DE ALGEMAS AUMENTA NA PÉRFIDA ALBION

 Os britânicos, decididamente, têm suas peculiaridades quando o assunto é cama. Não por acaso, uma das tantas modalidades sexuais exóticas deste mundinho é o sexo à l’anglaise.

Jamais me entendi bem com elas no estrangeiro. A relação com a prostituta exige uma cumplicidade sociológica e até mesmo vernácula. Nos dias de Paris, mais para ver como era, visitei duas. A primeira anunciava várias modalidades, desde sexo à espanhola, à francesa, à sueca, à grega e à inglesa. Fiquei intrigado. Já havia vivido na Suécia e nada via de diferente na sexualidade aborígene. A oferta era tão cosmopolita que não resisti. Fui chez elle e perguntei por cada fórmula. À espanhola, sei lá por quê, era entre os seios. À francesa, era oral. À sueca, manual, à grega anal. A cada parâmetro, o preço ia subindo. Bom, e à inglesa, como é que é? - quis saber.

Era o mais caro dos menus. Na época, cerca de mil francos. Deveria ser o melhor. Em que consiste? "Eu te algemo na cama, sapateio em cima de ti e depois uso um chicote". Merci bien, chérie, nesta altura sou mais um singelo papai-mamãe. Bem simplinho, s’il te plaît. O ser humano é mistério profundo. Nunca entendi como sentir prazer na dor. Já os britânicos, parece que entendem.

Falei há pouco de algo que também me custa entender, a influência da publicidade na vida das pessoas. Leio no UOL que o Corpo de Bombeiros de Londres viu aumentar o número de casos atendidos de pessoas presas em algum tipo de objeto, como algemas e vasos sanitários, segundo dados divulgados no final do mês passado. Uma das suspeitas para o aumento, segundo os bombeiros, é o sucesso do livro Cinqüenta Tons de Cinza, da escritora E. L. James.

Já comentei o best-seller vagabundo, o primeiro de uma trilogia girando em torno ao sexo sado-masoquista. Segundo os jornais, está vendendo mais que pão quente.

"Não sei qual o efeitos do Cinqüenta Tons, mas o número de incidentes envolvendo itens como algemas parece ter aumentado. Tenho certeza que a maioria das pessoas ficará 50 tons de vermelho na hora que nossa equipe chegar para libertá-los", disse o bombeiro Dave Brown.

No período de 2010/2011, foram 416 casos do gênero. Em 2011/2012, o número subiu para 441 casos. Em 2012/2013, novo aumento, agora para 453 casos.

Não consigo entender, dizia, o emprego de violência ou submissão no relacionamento sexual. Suspeito que, no fundo, seja efeito da dita publicidade. Divulga-se tanto o sexo sado-masoquista que as pessoas passam a julgar que a prática seja prazerosa. E talvez acabe sendo, por decorrência da própria publicidade.

Volto à autora britânica. A pedido de uma amiga, curiosa com o livro de Rowlling, comprei-o para dar-lhe de presente. Quinhentas páginas de uma literatura sem pingo algum de inteligência. Entranhas, suspiros, gemidos, estocadas, algemas e chicotes. Ridicularia total.

Lá pelas tantas, há um contrato jurídico, muito detalhado, muito british, entre Dominador e Submissa, onde se estipulam as regras do espancamento. Como se alguém que quer espancar ou ser espancado se preocupe com a regulamentação da violência.

Apanho ao acaso o início do capítulo 14, no qual o personagem, doravante chamado Dominador, enfia a ponta de um chicote na boca da moça:

“- Chupe – ordena ele com suavidade. Seguro a ponta e obedeço.”

Ora, alguém acredita que alguém sinta algum prazer em chupar couro? Mas o melhor vem agora:

“Ele gira a ponta em volta do meu umbigo, depois vai descendo, passando pelo meus pêlos pubianos até o clitóris. Brande o chicote e acerta um golpe seco naquele meu ponto doce, e eu gozo, gloriosamente, com um grito de alívio”.

Chegar ao orgasmo assim? James que me desculpe, mas duvido. Dor até pode provocar alguma excitação em pessoas de mentalidade doentia, mas chicotada no clitóris... Não acredito. No ritmo em que vai este tipo de literatura, o erotismo ainda vai se refugiar nos consultórios odontológicos. O leitor não perde por esperar uma personagem que tem orgasmos enquanto um sensual dentista lhe enfia nos dentes uma broca sem anestesia.

Mas acredito, isto sim, que tenha aumentado o consumo de algemas na pérfida Albion. Babaca é o que não falta neste mundo. Há algum tempo, zapeando na televisão, tropecei com uma reportagem sobre um clube sadomasoquista no GNT. Mulheres eram encilhadas com um selim e montadas pelo parceiro, que as cavalgava pelo salão, de chicote em punho.

O que não entendi é que o programa pretendia ser sobre sexualidade. Levei algum tempo para perceber que, na verdade, o que se vendia, era couro.


06 de agosto de 2013
janer cristaldo

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