"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 5 de outubro de 2011

ESQUERDA x DIREITA (Parte 6)


O início da decadência norte-americana

Desde o fim da II Guerra Mundial, quando ficou estabelecida a conversibilidade 35 dólares por uma onça de ouro (cada onça equivale a 28,349 gramas), os EUA tornaram-se os credores do mundo. No entanto, o ápice dos EUA paradoxalmente marca também o início do seu declínio. O aumento constante dos gastos do estado, especialmente com armamentos, com o financiamento de guerras em diversos continentes e, posteriormente, com a corrida espacial, começou a minar a saúde da economia norte-americana.

Aos poucos, os EUA começaram a financiar os seus crescentes déficits fabricando moeda sem lastro. Enquanto isso, a economia e a sociedade norte-americana foram se acostumando ao dinheiro fácil, tanto que, já na década de 60, passaram a consumir mais do que produzir de fato. Os EUA, que ficaram ricos exportando, aos poucos, foram transformando-se em meros importadores, o grande shopping center do mundo, para onde todos os países queriam exportar. A nova situação acelerou ainda mais o ritmo do crescente déficit norte-americano, o que, por sua vez, fez com que o governo fabricasse ainda mais dólares, sem lastro em ouro.

Os bancos de vários países, mas principalmente europeus, também foram coniventes com o “vício” norte-americano de fabricar moeda do nada, pois começaram a aceitar depósitos em dólares como se fossem ouro. E como parte do dinheiro sem lastro ficava retido nos bancos, o impacto inflacionário decorrente da falsificação era atenuado.

Foi esse acúmulo de dólares nos bancos europeus que criou as facilidades de crédito para os países emergentes no final dos anos 60. E aí começou a festa dos governos “desenvolvimentistas”, que intensificaram ainda mais as medidas keynesianas através dos mega-projetos estatais.

Mas como (quase) sempre acontece, um dia a mentira é descoberta. Tardou, mas no final dos anos 60 os franceses, desconfiados da farsa norte-americana, começaram a exigir o cumprimento do acordo da conversibilidade ouro-dólar.

Os EUA resistiram em mostrar o lastro de sua moeda, mas finalmente, em 1971, o desastrado presidente Nixon chutou o pau da barraca e recusou-se a pagar 280 milhões de onças de ouro. Em outras palavras, os EUA decretaram moratória. Não eram mais capazes de converter em ouro todos dólares espalhados pelos bancos do mundo todo.

E, surprendemente, ficou por isso mesmo. Os EUA continuaram exportando sua inflação para o mundo, situação que viria piorar ainda mais com uma nova crise, dois anos depois, agora com o “ouro negro”, o petróleo.

A era da “estagflação”

Embora o ano de 1973 tenha entrado para a história como o ano da primeira grande Crise do Petróleo, na verdade já tinha ocorrido um grande choque anterior, em 1956, quando o Egito nacionalizou o Canal de Suez, uma estreita passagem marítima entre a África e a Ásia que permite que embarcações naveguem do Mediterrâneo ao Pacífico sem terem que contornar a África. Com o fechamento temporário do canal, os preços tiveram um súbito aumento, mas logo voltaram aos patamares anteriores.

Com os preços achatados pelo cartel formado pelas sete maiores companhias petroleiras ocidentais (conhecidas até então como “as sete irmãs”), os países produtores de petróleo reagiram criando como contraponto a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em 1960.

Sete anos depois, com a guerra dos Seis Dias (entre Israel e vários países árabes), o preço do petróleo teve um novo repique, mas nada comparável aos 300% de aumento que viria a ocorrer em 1973, quando um novo conflito entre israelenses e árabes levou a OPEP a boicotar a produção de petróleo, como protesto ao apoio norte-americano a Israel.

Embora os historiadores não relacionem a crise de 1973 ao fim do padrão ouro-dólar, dois anos antes, me parece óbvio que o fato contribuiu muito para a crise, pois, na prática, os produtores de petróleo estavam trocando sua riqueza (esgotável) por moeda sem lastro. Isso não poderia durar eternamente.

Depois de estourada a crise de 1973, o novo cenário levou os norte-americanos a um acordo com os produtores de petróleo para cotar o produto exclusivamente em dólares. Em troca, os EUA dariam apoio militar a vários ditadores árabes contra qualquer ameaça de invasão ou golpes internos. Lembram do Mubarak, Ben Ali e outros ditadores árabes que hoje estão sendo destituídos pela população? Está aí a explicação da suas longas permanências no poder.

O dólar ganhava então um novo “lastro”: o ouro negro. Começava a era dos “petrodólares”, como ficaram conhecidos os bilhões e bilhões arrecadados com o aumento do preço do petróleo e investidos em diversos bancos europeus e norte-americanos.

E aí aconteceu uma nova onda de keynesianismo, pois os países em crise (principalmente do 3º mundo) a abundância de petrodólares era um convite irrecusável para dar mais uma “injeção de ânimo” nas economias combalidas com o inusitado misto de inflação e estagnação. Digo “inusitado”, porque até então, na história do capitalismo, não se conhecida este fenômeno contraditório: inflação (que significa excesso de demanda) com estagnação (queda na demanda). Começava a era da “estagflação”.

Apesar do aumento expressivo da inflação gerada em todo mundo, já que o preço do petróleo tem influência direta na cadeia produtiva (assim como o dólar sem lastro), a situação viria a piorar ainda mais em 1979, ano da revolução iraniana que colocou no poder o xiita aiatolá Khomeini. O barril, que custava US$ 3,29 antes da crise de 1973, chegou a incríveis US$ 35,69, em 1980.

As pressões inflacionárias decorrentes da combinação do excesso de dólares (sem lastro) no mercado com o preço do barril elevado as alturas, provocou também uma escalada dos juros nos países centrais.

E aí não teve jeito. Mesmo com o novo fôlego que o dólar ganhou com a vinculação ao petróleo, os EUA tiveram que elevar seus juros para 21% em 1979! O aumento deu mais fôlego ao “sistema” norte-americano, mas tornou a situação insustentável nos os países subdesenvolvidos, agora totalmente endividados com os empréstimos contraídos nos anos de ouro do keyensianismo. O lado bom da história é que o novo cenário decretou o fim de todos os regimes ditatoriais da região.

E quando o preço do barril finalmente parecia que iria se normalizar, estoura, em 1980, a guerra entre o Irã e o Iraque, do ditador Sandan Hussein, na época apoiado pelos EUA que, por sua vez, cumpriam o acordo de “proteger seus aliados de ameaças externas”.

A situação foi ficando cada dia mais insustentável, até que em 1982 o México decreta a moratória de sua dívida externa. Preocupados com um efeito em cascata, os credores internacionais deixam de financiar novos empréstimos para rolagem das dívidas dos subdesenvolvidos. Neste mesmo ano, o Brasil e vários ouros países, tiveram que recorrer aos empréstimos do FMI.

Neste cenário de “salve-se quem puder”, um país da América Latina, o Chile, começa a chamar a atenção de alguns ingleses (entre eles Margareth Thatcher) por alguns experimentos de alguns ex-estudantes da Universidade de Chicago, que testavam algumas fórmulas de Milton Friedman, o guru de uma das vertentes atuais do neoliberalismo: o monetarismo.

Mas este já é assunto para o nosso próximo post.

amilton aquino

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