"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A ARTE DE FAZER O DINHEIRO SUMIR...

A fraude na capacitação de motoboys, com repasses do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a duas entidades de um aliado e amigo do ministro Carlos Lupi, consumiu pelo menos R$ 1 milhão dos R$ 6 milhões depositados nas contas bancárias das ONGs.
O dinheiro não chegou à ponta final: não serviu para qualificar os motoboys do Distrito Federal e de Goiás.
Pagamentos foram simulados para justificar os gastos do dinheiro público e o montante de recursos desviados deve ser ainda maior, conforme uma lista de irregularidades elencadas no relatório final de uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União, o TCU (veja ilustração acima).

O Correio teve acesso a cópia do processo aberto pelo TCU para investigar os convênios entre o MTE e a Federação Interestadual dos Mototaxistas e Motoboys Autônomos (Fenamoto) e o Sindicato dos Trabalhadores Condutores de Veículos de Duas Rodas de Goiás (Sindimoto-GO), entidades fundadas pelo ex-vereador de Goiânia Robson Alves Paulino, tesoureiro do PDT em Goiás.

Ele continua à frente da Fenamoto. O Sindimoto-GO tem hoje outro presidente, José Valter da Silva. O relatório da auditoria, concluída em 21 de setembro deste ano, determina que o ministério cobre das ONGs a devolução de R$ 1.043.023, valor gasto com supostas despesas fictícias, conforme o documento de 62 páginas.

A investigação é mantida no mais absoluto sigilo pelo TCU, cujo plenário ainda não deliberou sobre as conclusões da auditoria, o que só deve ocorrer em 2012 — a fase atual é de defesa dos responsáveis. Uma segunda auditoria em curso, também com foco no programa de qualificação profissional do MTE, já detectou preliminarmente desvios de R$ 4 milhões e a necessidade de devolução desse dinheiro aos cofres públicos.

O TCU abriu o processo envolvendo a Fenamoto e o Sindimoto-GO com base em reportagens publicadas pelo Correio em fevereiro deste ano que revelaram a existência da fraude na capacitação de motoboys.
Os auditores do TCU estiveram em campo entre 31 de março e 23 de maio. O trabalho foi concluído em setembro e aponta 12 servidores e ex-servidores do MTE como responsáveis pelas fraudes, praticamente todos ligados diretamente a Carlos Lupi e personagens da crise que deixou o ministro a um passo da demissão pela presidente Dilma Rousseff.

"Chefe" e "amigo"

O relatório final da auditoria detalha como Robson Paulino teria se beneficiado diretamente dos repasses do MTE — ele se refere a Lupi como "chefe" e "amigo" — e como o dinheiro dos três convênios acabou desviado, principalmente no pagamento a pessoas físicas, na contratação de serviços de transporte e alimentação e no aluguel de equipamentos cuja aquisição sairia mais em conta.
Cada irregularidade consumiu fatias milionárias do dinheiro repassado, segundo o relatório da auditoria. O método recorrente foi fazer o dinheiro sobrar — as quantias eram sempre superiores ao necessário para a qualificação, aponta a auditoria.

As cargas horárias dos cursos foram superdimensionadas, segundo o TCU. Primeiro, a Fenamoto sugeriu curso de 56 horas. Depois, alterou para 200 horas, o que acabou aceito pelo MTE. Somente a adoção da carga horária original representaria economia de R$ 2,7 milhões, conforme o cálculo dos auditores.
A redução da meta de motoboys qualificados por parte do Sindimoto-GO não representou diminuição dos custos para o ministério. Para garantir o mesmo valor dos repasses, diante de uma quantidade de alunos menor, o custo da hora por aluno subiu de R$ 2,62 para R$ 3,95, o máximo permitido. Se tivesse sido mantido o valor original, a economia aos cofres públicos seria de R$ 1,2 milhão.

Vinicius Sassine
CORREIO BRAZILIENSE - 01/12/2011

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