"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

BALANÇO DO PRIMEIRO ANO DO GOVERNO DILMA (Parte 2)

Como vimos no primeiro post desta série, na minha opinião o balanço do primeiro ano do governo Dilma foi positivo por dois fatores principais: 1) a menor tolerância em relação a corrupção em relação a Lula; e 2) o não agravamento da situação econômica do país em meio a um cenário altamente desfavorável, fruto da combinação do agravamento da crise européia com os abacaxis deixados por Lula.

Neste post, vamos checar o que foi conseguido pelo atual governo diante de cada um dos desafios apontados na série “Desafios do Pós-Lula”.

Antes, no entanto, é preciso deixar bem claro que, como alertamos aqui desde 2009, a maioria dos problemas deixados por Lula poderiam ter sido evitados caso este fosse menos preocupado com sua popularidade e tivesse um pouco de coragem para assumir alguns ônus necessários para efetuar algumas reformas essenciais ao nosso crescimento sustentável. E olha que não estou me referindo diretamente às faladas e consensuais reformas estruturais prometidas pelo próprio Lula desde o discurso de posse do primeiro mandato, mas que até hoje nenhuma foi realmente tocada, e sim de pequenas ações que poderiam ter evitado a esquizofrenia econômica herdada por Dilma. Por exemplo, a economia já estava a pleno vapor depois dos seis meses desastrosos da crise de 2008, mas o governo Lula continuou dando incentivos a setores específicos da economia que já não precisavam, como o automobilístico e de eletrodoméstico. Com isto, o governo deu mais fôlego para a inflação. Com mais inflação, já no governo Lula o BC teve que reiniciar uma trajetória de alta de juros, aumentando assim o custo da dívida pública. Com mais dívida e mais juros, mais especuladores vieram ao Brasil. Com mais dinheiro entrando, mais o Real se valorizou em relação ao Dólar. Com mais valorização do Real, mais a nossa indústria perdeu competitividade e mais gente saiu do Brasil para gastar no exterior, o que, por sua vez turbinou o nosso déficit em transações correntes.

Ou seja, em busca de fazer um PIB gordo no seu último ano de governo e assim eleger sua sucessora, Lula prejudicou todos os fundamentos da nossa economia e, de quebra, agravou ainda mais os problemas dos gargalos logísticos da nossa economia, superlotando aeroportos, portos e estradas e tornando os investimentos nestas áreas ainda mais urgentes. Vamos então a cada um dos itens:

A valorização do Real

A excessiva desvalorização do Dólar (que chegou a casa dos 1,50) era uma preocupação constante no início do governo, pois estava inviabilizando alguns dos setores da nossa indústria. Hoje o Dólar está na casa de 1,80 e deu um fôlego a nossa indústria e exportadores, o que fez bombar nossa balança comercial, como veremos adiante. E o que o governo fez para melhorar este quadro?

Desde o final do governo Lula, o BC já havia iniciado uma série de medidas para conter a valorização do Real, mas todas com resultados pífios, pois o Dólar subia um pouco na divulgação das medidas, mas nas semanas seguintes já voltava a cair. Como os analistas previam, o BC enxugava gelo. O governo Dilma continuou enxugando gelo até que um fato novo (externo) aconteceu: o aprofundamento da crise européia. E como sempre acontece nos momentos de crise aguda, a cotação do dólar sobe. E assim chegamos à casa dos 1,80 compensando a valorização excessiva do Real. Portanto, o governo não teve nenhum mérito na melhora deste quadro. A valorização do Dólar foi decorrente do agravamento da crise européia e, mais uma vez, saímos lucrando com a crise do mundo rico.

O déficit nas contas externas

Ainda não saíram os números finais do ano, mas até outubro, o défict chegava a US$ 39 bilhões. Felizmente terminaremos o ano com um défict menor que o recorde deixado por Lula de US$ 49 bilhões. E qual a explicação para a redução? A alta do Dólar decorrente do agravamento da crise européia. Como o Real estava supervalorizado, a alta do Dólar veio a calhar. Com o Dólar mais alto, os gastos dos brasileiros no exterior e as importações são dificultadas, pois ficam mais caros. Por outro lado, com o Dólar em alta os exportadores brasileiros ganham mais, turbinando assim o nosso saldo positivo que pulou de US$ 20,26 bilhões em 2010 para surpreendentes US$ 29,70 bilhões em 2011. Com isto, demos um importante passo para voltar aos anos da bolha da economia mundial de antes de 2008, quando o saldo positivo da nossa balança comercial rodava em torno dos US$ 45 bilhões.

E de onde veio todo este saldo? Da exportação de commodities (minérios e produtos agrícolas), cujos preços continuam em alta no mercado internacional. Destaque para a Vale, nossa maior exportadora, que responde sozinha por 12% do total exportado brasileiro. Mais uma vez os méritos ficam com a iniciativa privada e com os ventos favoráveis aos países emergentes que continuam aumentando sua participação na economia mundial.

A dúvida é como o Brasil vai se comportar depois que a onda das commodities baixar, pois, como diria Warrem Bufet, “é quando a onda baixa que sabemos quem está nu”.

Desindustrialização

A previsão de déficit no comércio exterior dos bens típicos da indústria de transformação já era prevista. No entanto, os números ficaram bem piores: 40,2% superior ao já expressivo déficit de US$ 34,8 bilhões registrado em 2010. Ou seja, terminamos o ano com um saldo negativo de US$ 48,7 bilhões com tendência de aumentar ainda mais nos próximos anos.

Este número preocupante, no entanto, vai sendo escondido para debaixo do tapete, pois no geral, nosso saldo comercial foi positivo em US$ 29,8 bilhões, com um incremento de US$ 9,5 bilhões em relação ao ano anterior. Ou seja, nosso superávit recorde na exportação de produtos primários (US$ 78,5 bilhões) vai segurando a nossa peteca. Até quando, ninguém sabe, mas o certo é que nossa vulnerabilidade vai aumentando a cada ano, assim como nossa desindustrialização.

Um número que ilustra bem este processo é o déficit de US$ 50 bilhões da nossa indústria no ano passado, déficit este que tem piorado ano após ano. Só a título de comparação, em 2007 tivemos um saldo positivo de US$ 18,8 bilhões.

E o pior é que a principal medida a se tomada para reverter este quadro (a desoneração da cadeia produtiva) nem sequer tem sido cogitada. Muito pelo contrário, em seu primeiro ano, o governo Dilma continuou com a obsessão de Lula de recriar a CPMF. Diante do salve-se quem puder que tem se tornado a sobrevivência da indústria nacional, o governo tem agido sob demanda, baixando um IPI para um determinado setor, oferecendo crédito para outro. Ou seja, soluções paliativas que não atacam o principal fator que a cada ano torna-se mais decisivo para nossa indústria: o famigerado “custo Brasil”.

A solução para outras indústrias tem sido mudar para a China ou para a Índia. Depois da Azaléia, outras grandes empresas nacionais estão migrando para conseguir melhores condições de competitividade, como, por exemplo, a WEG, com sede em Santa Catarina. Especializada na fabricação de motores elétricos, e tintas, a empresa produziu 60 mil motores em 2009, 110 mil motores em 2010, tudo para o mercado chinês.

Tal tendência já tem números reveladores. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), 10% das grandes empresas brasileiras já produzem com fábrica própria na China. Pior: 67% das nossas empresas perderam clientes para a China e 45% das empresas que competem com a China perderam participação no mercado brasileiro.

A taxa Selic

O governo fez uma aposta arriscada ao baixar os juros substancialmente em um momento em que a inflação se apresentava como um dos principais problemas. E acertou. Mais uma vez o aprofundamento da crise européia foi determinante, pois arrefeceu o crescimento da economia, cumprindo assim o papel dos juros, que puderam entrar numa nova trajetória de queda.

Inflação

Uma das principais preocupações do governo no último ano, a inflação passou a maior parte do tempo acima do teto da meta, chegando inclusive a 7,2% no início do segundo semestre. E mais uma vez o agravamento da crise européia foi decisivo, pois a desaceleração da nossa economia no último trimestre trouxe a inflação para o teto da meta que, segundo o governo, foi de redondos 6,5%.

O déficit da Previdência

Uma das melhores notícias do ano. O recuo do déficit da previdência, que caiu de R$ 47 bilhões em 2010 para R$ 36,5 bilhões no ano passado. A redução já era prevista por causa do baixo impacto do aumento do salário mínimo em 2011, o que reduziu sensivelmente os custos da Previdência. A má notícia, no entanto, é que a redução deste ano dificilmente se repetirá em 2012, pois com o aumento mais expressivo do salário mínimo, a previsão é que a Previdência Social tenha um gasto extra de R$ 14 bilhões. Ou seja, a Previdência continua sendo um enorme ralo para as contas públicas e sem perspectivas de resolução, pois nem mesmo a mini-reforma aprovada ainda no primeiro governo Lula até hoje não foi sancionada. Aliás, Dilma já fala em discutir uma nova reforma, voltando a proposta inicial do governo FHC que aumentaria a idade mínima para aposentadoria, proposta esta que foi rejeitada pelos congressistas e terminou substituída pelo odiado “fator previdenciário” que, bem ou mal, economizou R$ 11 bilhões no ano passado.

Apesar da boa notícia, cabe ressaltar que a redução do déficit concentrou-se apenas no setor privado, pois o dos servidores públicos segue crescendo, atingindo novo recorde R$ 56 bilhões, com perspectiva de novo recorde em 2012.

E aqui está mais um câncer da nossa economia agravado pelo governo Lula, pois o um milhão aposentados do setor público são hoje responsáveis por uma déficit maior que os demais 30milhões de segurados da iniciativa privada. Para o futuro, portanto, teremos muito mais servidores públicos aposentados, já que o governo do PT, pelo menos até o governo Lula, aumentou substancialmente o número de servidores.

Gastos públicos

O ano começou com o anúncio de ajuste fiscal que cortaria R$ 50 bilhões da máquina pública. Mesmo com os cortes, a previsão dos gastos para o ano seria superior ao do último ano do governo Lula. Ou seja, a promessa de corte era, na verdade, a promessa de não aumentar os gastos na mesma proporção do governo Lula, o que na prática representou a admissão da presidente Dilma de que o governo Lula aumentava os gastos numa proporção insustentável. Mas apesar das boas intenções, o governo só conseguiu economizar 80% do prometido. Seria um número razoável num país acostumado a orçamentos fictícios. O problema é que tal resultado foi obtido com o reforço extra de R$ 21,3 bilhões proveniente da surpreendente arrecadação recorde do ano passado, turbinada com a melhora da balança comercial alavancada pela alta dos preços das commodities no mercado internacional, como vimos acima. Contribuiu também para isso a crescente formalização do mercado de trabalho. No entanto, se não houvesse esta arrecadação recorde, fruto de um contexto internacional favorável, certamente o ajuste não teria chegado nem a R$ 20 bilhões. Portanto, continuamos com o mesmo problema de gastos excessivos, apesar de atenuado um pouco pelo governo Dilma.

O aumento da dívida pública

Os números finais da dívida pública ainda não foram divulgados, mas já podemos “comemorar a diminuição do ritmo de aumento da dívida”. Comparando com o final de 2011 o Brasil terá reduzido a dívida pública em 0,4% em comparação ao PIB, graças ao cumprimento do governo da meta do superávit primário, que a Dilma conseguiu cumprir, depois de três anos de não cumprimento do governo Lula.

A relação da dívida líquida com o PIB, que é a que o governo gosta de divulgar, em projeção feita no penúltimo mês do ano passado terá ficado na casa dos 38,5%. Em termos comparativos, estamos ainda dois pontos percentuais acima do nosso melhor resultado, conquistado em 2008.

Mas existem outros números que o governo não gosta de revelar. Um deles é a dívida interna bruta contabilizada na metodologia antiga, em vigor até 2007, que já em novembro chegava à casa dos R$ 2,616 trilhões. Ou seja, em um ano, o governo Dilma terá aumentado mais de R$ 200 bilhões na divida interna bruta, apesar do esforço para cumprir a meta da superávit primário.

Na nova metodologia introduzida pelo governo Lula, como era de se esperar, os números são “suavizados”, mas ainda assim terminaremos o primeiro ano do governo Dilma rondando a casa dos R$ 2,3 trilhões, o que dá um percentual de endividamento em relação ao PIB de 55,4%. Tudo bem, estamos muito distante ainda do desastre europeu, mas não custa lembrar que o custo da nossa dívida continua sendo um dos maiores do mundo, apesar do nosso bom momento.

Com a dívida externa não foi muito diferente. Em apenas NOVE meses a dívida externa bruta pulou de US$ 352 bilhões para US$ 400,3 bilhões! Se duvidar, pode conferir diretamente no site do BC: http://www.bc.gov.br/?SERIEDEBH. Tudo bem que o aumento das nossas reservas também aumentou na mesma proporção, mas estas, ao contrário do que o governo tenta vender a idéia, não são uma poupança. Se fossem, o governo já teria usado para quitar a parte pública da dívida que corresponde a 2/3 do total. No entanto, o governo continua pagando juros da dívida externa e, pasmem, o “custo das reservas” que a cada ano fica maior, como veremos a seguir.

Reservas Cambiais

Este é nosso maior orgulho macroeconômico. Favorecido pelo fluxo de capitais que rumou para os países emergentes nossos últimos anos (ou seja, dinheiro que não é nosso), nossas reservas continuaram aumentado ano após ano. Em 2012 não foi diferente. De um total de US$ 300 bilhões em reservas no final do governo Lula, terminamos 2012 na casa dos US$ 360 bilhões. Teoricamente teríamos como pagar a parte pública da dívida externa, mas na prática isto não acontece justamente porque boa parte das reservas não são dinheiro do governo, e sim dinheiro depositados na conta do governo. E o pior, para manter tais reservas o governo fica no prejuízo. Os números de 2011 ainda não foram divulgados, mas já se sabe que em 2010 o Brasil pagou R$ 27 bilhões para manter as reservas de US$ 300 bilhões. Para 2011, os custos serão muito mais elevados, pois só nos dois primeiros meses do ano, nossas reservas custaram R$ 6,8 bilhões. Ou seja, o dobro da média mensal paga em 2011. Portanto, certamente teremos mais um recorde também nesta área. As reservas, portanto, já se transformaram naquilo que os economistas chamam de “dívida invisível”.

Nível de endividamento

O aumento do nível de endividamento do brasileiro era previsível, mas até o final do governo Lula ainda não era considerado um problema, afinal, em comparação com os países do primeiro mundo em crise, podemos ainda nos considerar numa posição privilegiada. Mas a situação piora a cada ano. Pela primeira vez nos nove anos do PT mais da metade das famílias brasileiras estão endividadas. De um percentual de 21% no final do governo FHC, saltamos para 47% no final do governo Lula e agora chegamos aos 51% ao final do primeiro ano do governo Dilma.

Mas como explicar o aumento considerável no primeiro ano de Dilma se o governo reduziu um pouco o crédito? Em economia também acontecem “ressacas”. Portanto, depois da farra de estímulos ao consumo nos últimos dois anos de Lula, muitos brasileiros se deram conta de que gastaram mais do que deveriam. Portanto, mais um sinal de alerta ao governo Dilma. Estimular o crescimento com crédito é fácil. O problema é administrar as dívidas depois e nosso país já está chegando a níveis preocupantes.

Poupança interna

Também ainda não temos os números finais do nível de poupança interna em 2012, mas a julgar pelo nível de endividamento das famílias, é muito mais provável que esta tenha caído. Na melhor das hipóteses, se mantido entre 16 e 18%. Ou seja, no mesmo patamar ou um ponto percentual acima do nível de 1995 e muito aquém dos 30% recomendável para se chegar a um padrão desenvolvido.

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Os demais itens (as reformas estruturais prometidas) que citei na série “Desafios do Pós-lula” não valem à pena gastar saliva, pois até agora só ficaram nos discursos dos primeiro mês de governo. De concreto mesmo só as propostas de reforma política que pioram ainda mais o que já é ruim.

No próximo e último post desta série, vamos falar dos desafios de investimentos. Até lá!
amilton aquino
25 de janeiro de 2012

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