"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

HISTÓRIAS DO SEBASTIÃO NERY

O voto de Minerva

Barbosa Lima Sobrinho, pelo PSD, e Neto Campelo, pela UDN, tinham disputado o governo de Pernambuco, em 1947, logo depois da ditadura Vargas e da Constituinte. Barbosa Lima, candidato de Agamenon Magalhães, e Neto Campelo, ministro da Agricultura de Dutra.

Na apuração, quase o empate. Urna a urna disputavam voto por voto, pelas rádios e alto-falantes. Houve muitas urnas impugnadas e a decisão passou para o Tribunal Regional Eleitoral. Nas esquinas, bares, casas, o povo, ao pé do rádio e dos alto-falantes, esperava o resultado final.

Nequinho Azevedo, figura popular do Recife, estava em um botequim bebendo como sempre e torcendo por Barbosa Lima. Era a última decisão sobre a última urna, onde Barbosa Lima havia vencido bem. Anulada, ele estaria derrotado. Validada, eleito. Ninguém piava.

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BARBOSA LIMA

O locutor fez suspense:

- Atenção, terminou a apuração da última urna. Confirmada a vitória de Barbosa Lima. O Tribunal aprovou a urna pelo voto de Minerva.

Começou a festa. Alguém perguntou lá do fundo:

- O que é voto de Minerva?

Ninguém sabia, ninguém respondeu. Nequinho pôs o copo no balcão:

- Voto de Minerva é um voto maior do que os outros.

- De que tamanho?

Vale uns 300!

Valia mais. Valia a eleição.

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DE 1945 A 1955

No Brasil, desde 1945 as crises nacionais e as eleições presidenciais sempre foram decididas pelo voto de Minerva, que invariavelmente teve um nome, PSD, e, depois, seu filho MDB e seu neto PMDB.

1. Em 1945, era getulismo de um lado e oposição udenista do outro. O PSD lançou Dutra, candidato de Getúlio, e derrotou Eduardo Gomes, da UDN.

2. Em 1950, era Getúlio do PTB contra Eduardo Gomes da UDN. O PSD, apesar de lançar Cristiano Machado, votou maciçamente em Getúlio.

3. Em 1955, PSD e PTB apoiaram Juscelino. Apesar de o PSD de Pernambuco (Etelvino Lins) e o do Rio Grande do Sul (Perachi Barcelos) terem ficado abertamente com Juarez Távora (UDN), e o de São Paulo disfarçadamente com Ademar, a maioria do PSD garantiu a vitória de JK.

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DE 1960 A 1986

4. Em 1960, o PTB lançou Lott, a UDN lançou Jânio. O PSD apoiou Lott. Mas Jânio ganhou em grandes Estados onde o PSD mandava: 78% dos votos de Jânio foram obtidos em Minas, Rio, Rio Grande do Sul e São Paulo.

5. Até 1963, João Goulart governava com o PTB e o PSD. Quando o PSD se afastou de Jango e passou para o lado da UDN, Jango foi derrubado.

6. A ditadura matou PSD, UDN, PTB. Nasceram Arena e MDB. A Arena era a UDN com a maioria do PSD. O MDB era o PTB com o resto do PSD. Até 1974, a Arena ganhou tranquila. Em 1974, a maioria do PSD votou com o MDB e derrotou a Arena em 16 Estados a 6. E a ditadura começou a cair.

7. Em 1986, o PMDB, filho do MDB e neto do PSD, elegeu 22 governadores contra um, de Sergipe, do PFL, filho da Arena e neto da UDN.

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EM 1989

8. Em 1989, o PMDB, neto do PSD, lançou Ulysses, e o PDT, filho do PTB, lançou Brizola. O PFL e o PSDB, netos da UDN, lançaram Aureliano Chaves e Mário Covas. Mas quem foi para o segundo turno foi Fernando Collor (com 28,52%) e Lula (16,08%), do PRN e do PT, partidos novos.

Desde o primeiro turno, a maioria do PMDB abandonou Ulysses, porque não acreditava nas possibilidades dele. Dividiu-se entre Collor, Brizola, Covas, Lula (Roberto Requião, Paes de Andrade). O segundo turno seria decidido pelos partidos mais fortes que perderam o primeiro turno.

Se Brizola tivesse ido para o segundo turno, teria derrotado Collor, porque a maioria do PMDB, sobretudo seus governadores, votaria nele. Mas Brizola se considerava a reencarnação de Getúlio e achava que ganhava sozinho. Eram ele e o povo. Em Minas, Helio Garcia e Itamar ficaram um ano esperando Brizola convidá-los para vice. Brizola chamou Fernando Lyra.

O PMDB não podia votar em Lula no segundo turno. Tinha 22 Estados, onde os governadores eram hostilizados pelo PT. Entre Collor e Lula, apoiaram Collor, mais uma vez o PMDB decidindo com seu voto de Minerva.

E até hoje, nada mudou.

Sebastião Nery
07 de fevereiro de 2012

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