"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

OS UNGIDOS (PARTE 2)

Na primeira parte do artigo, vimos como os ungidos monopolizam as virtudes e não se importam muito com os efeitos concretos de suas medidas. Vamos, a seguir, desenvolver melhor este ponto, entre outros.

O ônus da prova nunca é cobrado da visão dos ungidos, mas sim das instituições existentes, sempre imperfeitas. Assume-se que a sociedade pode ser “reconstruída” do zero, com base na Razão (com R maiúsculo) dos ungidos, detentores de um conhecimento totalitário. Enquanto aqueles com visão trágica focam no processo, reconhecendo suas falhas e eventuais injustiças isoladas, os ungidos analisam caso a caso, de forma míope, para condenar todo o processo e demandar suas “soluções”.

Se a economia de mercado é o melhor processo conhecido para gerar riquezas, por exemplo, isso não vem ao caso para os ungidos, que sempre poderão pinçar alguns miseráveis para “provar” a deficiência do livre mercado e, apelando para o non sequitur, concluir que uma solução alternativa é necessária. Não é levado em conta jamais que tal “solução” pode agravar aquele problema que visava a combater. O mesmo ocorre com o sistema de justiça. Em vez de analisar o processo, os ungidos selecionam os casos mais complicados e questionam todo o modelo, demandando um “ativismo judiciário” no lugar do império isonômico das leis. Os juízes são vistos como agentes das reformais sociais, e não como guardiões das leis. Troca-se o conhecimento a priori das leis pela arbitrariedade dos ungidos.

Muitos grupos sociais são tratados como “mascotes” pelos ungidos. Os criminosos são um típico caso, tratados pelos ungidos como “vítimas da sociedade”. Em sua visão cósmica de justiça, os criminosos foram levados ao crime por circunstâncias desfavoráveis, e não têm culpa por seus atos. Drogados também não fizeram escolhas em suas vidas, segundo os ungidos. Quando a AIDS se espalhou essencialmente entre homossexuais no começo, os ungidos atacaram qualquer um que ousou apontar os fatos estatísticos. Bastava questionar sobre um eventual “grupo de risco” para logo ser tachado de “homofóbico”. Os índios precisam ser protegidos da nossa civilização, mesmo que a maioria deles escolha absorver os valores desta civilização, voluntariamente, quando possível. E por aí vai.

Somente os ungidos se preocupam com as “minorias”, que precisam ser resgatadas por suas ações, cujo custo sempre recai sobre ombros alheios. Qualquer um que discordar de seus métodos só pode ser um egoísta insensível. Os ungidos precisam de “mascotes” como os urubus precisam de carniça. O mundo é dividido entre heróis e vilões, e os ungidos vão nos salvar dos malvados exploradores. Eles são os defensores dos fracos e oprimidos por excelência. Tudo aquilo que é “politicamente correto” acaba tendo a impressão digital dos ungidos. São almas sensíveis que atacam todas as injustiças no mundo. Condenam a ganância alheia, enquanto avançam com vontade sobre os recursos alheios em nome de sua “justiça social”.

A mídia contribui para a propagação da visão dos ungidos, não só por contar com muitos adeptos desta visão, mas também por sua própria natureza. A mídia voltada às massas vende sensacionalismo, e acaba focando nos efeitos imediatos, incapaz de mostrar “aquilo que não se vê”. A televisão mostra, por exemplo, o pobre agraciado pela esmola estatal, mas não tem como mostrar todos aqueles que de alguma forma perderam algo para pagar esta fatura. O jornal mostra o bandido preso em condições precárias, como uma vítima, mas não consegue mostrá-lo no momento de seu crime bárbaro. A reportagem aponta os benefícios do aumento do salário mínimo, mas não tem como mostrar todos aqueles que ficaram sem emprego porque produzem menos que este mínimo decretado pelo governo.

Em suma, a visão dos ungidos troca o argumento no debate pelas intenções alardeadas, ignora qualquer evidência empírica, monopoliza os fins nobres, apela às emoções, apresenta “soluções” no lugar de alternativas imperfeitas, e trata qualquer dissidente como inimigo mortal. Trata-se de uma cruzada moral, onde a sensação despertada nos membros é mais importante do que os resultados concretos. Os “seres pensantes” da elite dos ungidos acabam pensando muito pouco de forma substancial, mas adoram extrapolar na verborragia “politicamente correta”.

A partir da década de 1960, a influência dos ungidos aumentou exponencialmente nos Estados Unidos, contagiando o resto do mundo. Inúmeros experimentos foram realizados no “laboratório” social, partindo de suas premissas questionáveis e usando seres humanos como cobaias. Quando a criminalidade disparou, o consumo de drogas também, e vários outros males sociais se agravaram, qualquer evidência contrária às suas crenças foi simplesmente ignorada. Os ungidos estão sempre certos, até porque suas teses pairam acima do mundo empírico. Como conclui Thomas Sowell, raramente tão poucos custaram tanto para tantos. E não apenas no aspecto financeiro, como também em perda de liberdade, qualidade de vida e até mesmo vidas inocentes.

Rodrigo Constantino
Ordem Livre, 02/01/2012

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