"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 26 de abril de 2012

CRISTINA KIRCHNER: POPULISTA E SEM LIMITES

Ao estatizar uma petroleira, a presidente argentina gera novos riscos à economia do país

Primeiro veio a apropriação de reservas do Banco Central argentino para pagar dívidas. Depois, a proposta de reorganizar o futebol nacional e a tentativa de controlar a imprensa, até por meio da produção de papel-jornal. De fora, os arroubos populistas da presidente Cristina Kirchner pareciam apenas fanfarronices sem grandes consequências. Até que a líder peronista decidiu nacionalizar a petroleira YPF.
Naturalmente, a medida, que aproximou Cristina do estilo de governo do venezuelano Hugo Chávez, enfureceu a União Europeia. A YPF pertencia à espanhola Repsol, dona de 51% de seu patrimônio, e agora é considerada pelo governo argentino um patrimônio nacional. Nada poderia assustar mais os já desconfiados investidores estrangeiros, para quem a Argentina vem se tornando um parceiro digno de pouca confiança.
A ação de Cristina foi rápida e truculenta. Na última segunda-feira, dia 16, a presidente enviou ao Congresso um projeto de lei para expropriar a parcela majoritária da YPF pertencente aos espanhóis. O argumento foi que a Argentina é "o único país da América Latina que não controla seus recursos naturais" – na verdade, fora o México, todas as outras nações petrolíferas da região contam com companhias estrangeiras na exploração. Cerca de 20 executivos da Repsol – argentinos e espanhóis – foram fisicamente removidos da sede da empresa, em Buenos Aires. Tiveram 15 minutos para abandonar o edifício, escoltados por seguranças.
Cristina aperfeiçoou-se num patrimônio histórico da política argentina: o populismo, a promessa de soluções fáceis do Estado para os problemas do país. No anúncio da nacionalização da YPF, ela jurou fidelidade ao pai dos populistas, Juan Domingo Perón, presidente de 1946 a 1955 e de 1973 a 1974, quando morreu. "Ninguém é peronista por um momento e depois deixa de ser. Sempre fui e faço questão disso", afirmou Cristina. É irônico o fato de a onda de privatizações que em 1993 passou a YPF à iniciativa privada ter ocorrido nas mãos de Carlos Menem (1989-1999), outro presidente filho do peronismo. Apesar de ter reduzido a mão do Estado na indústria, Menem não se furtou a usá-la para financiar programas assistencialistas, como faz Cristina. De neoliberais a bolivarianos, quase não houve corrente política na história argentina sem ao menos uma pequena queda pelo populismo.
A reestatização da YPF vinha sendo gestada havia alguns meses por assessores da Casa Rosada. Tudo feito com cálculo político. "Cristina adora medidas que a transformem em heroína", diz Eduardo Fidanza, cientista político da consultoria argentina Poliarquía. Foi assim na campanha pela reeleição, ao incorporar a viúva entristecida e herdeira política do marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, morto em 2010. Quando o aniversário de 30 anos da guerra das Malvinas se aproximava, ela retomou o discurso contra o "imperialismo" do Reino Unido, que controla o território.
No futebol, Cristina não conseguiu reformular o campeonato, mas estatizou as transmissões das partidas da primeira divisão, antes restritas às TVs a cabo. Na expropriação da YPF, o governo tentou imputar à Repsol o descalabro energético do país. Em 2011, a produção de petróleo foi 32% menor que em 1998. As importações de combustíveis saltaram de menos de US$ 1 bilhão, em 2004, para US$ 9,4 bilhões em 2011. Cristina afirma que a ex-controladora da YPF investia pouco. O fato é que a Repsol sempre foi desestimulada pelo Estado a fazê-lo. A empresa recebia do governo apenas US$ 42 por barril, menos da metade do atual valor de mercado. A diferença ia para os cofres públicos, financiando subsídios de toda sorte.
"Nacionalizar só vai desgastar ainda mais nossa credibilidade no mercado internacional", diz o consultor energético Daniel Montamat, presidente da YPF de 1987 a 1989. Diante da negativa argentina de pagar os US$ 10,5 bilhões pedidos pela Repsol como compensação, o premiê espanhol, Mariano Rajoy, disse que o caso "rompe as boas relações entre os dois países". A Comissão Europeia prometeu retaliações, e o Fundo Monetário Internacional alertou para as "graves consequências para os investimentos estrangeiros na Argentina". Neste ano, mais de US$ 22 bilhões deixaram o país em meio à desconfiança sobre as investidas do Estado. O Brasil se esquiva, mas já não há segurança sobre as operações da Petrobras no vizinho. As bravatas de Cristina viraram coisa séria.

26 de abril de 2012
Rodrigo Turrer
Época

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