"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

DIREITA E ESQUERDA

 
Estamos republicando hoje um dos artigos de Humberto Braga, que morreu sexta-feira, aos 90 anos. Braga era um intelectual completo, muito respeitado, que iniciou da Revolução de 64 enfrentou Carlos Lacerda com todo destemor.

Braga, que era espírita, acreditava em reencarnação. Escreveu vários livros. Em um deles, "O Oriente é Vermelho", citava as grandes identidades de pensamento entre Sócrates e Confúcio. Como se sabe, ambos foram antecessores de Jesus Cristo e tinham também idéias comuns. Confúcio viveu entre 551 a.C. e 479 a.C. e Sócrates entre 470 a.C. e 399 a.C.
(C. N)

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A igualdade social é um horizonte, portanto inatingível. Toda sociedade de estrutura complexa é organizada hierarquicamente. Não se trata de diferenças individuais e sim de inevitável estratificação social em dirigentes e dirigidos. O poder é sempre apanágio de uma minoria, isto é, de uma elite.

A História, como disse Pareto, é um cemitério de elites: o patriciado romano, o baronato feudal, a nobreza nas antigas monarquias etc. É certo que na história ocidental a desigualdade social se reduziu. Ela era maior entre senhores e escravos, na Antiguidade, do que entre barões e servos, na Idade Média, e, esta, maior do que a existente entre capitalistas e proletários, nos tempos modernos.

Nas sociedades de estrutura complexa, quando emergem os antagonismos de interesses entre os diversos segmentos que as compõem, existem, necessariamente, a direita e a esquerda. Escrevi, no passado, que a esquerda é um movimento e a direita é uma situação. Mas só é esquerdista o movimento que se propuser a combater desigualdades sociais.

O nazifascismo foi um grande movimento de direita, já que repudiava o próprio ideal de igualdade social. Tradicionalmente, a direita, elitista, é conservadora (manutenção do status quo) ou reacionária (retorno ao passado próximo). A esquerda pode ser revolucionária ou reformista.

Comunismo e nazi-fascismo foram modalidades extremadas de esquerda e direita. Mas, estas são legítimas e inevitáveis. Sempre existiram nas sociedades complexas. Essa oposição, pacífica ou violenta, foi um fator crucial na História.

Em Roma, Cesar estava à esquerda de Catão e de Cícero, preclaros defensores dos privilégios do patriciado. Todavia, pugnar pela redução ou abolição de uma determinada desigualdade social não implica pretender a implantação da igualdade. Cesar nunca propôs suprimir a escravidão, que era o meio de produção na sua época.

O programa econômico não é um dado seguro para distinguir essas orientações políticas. Na Revolução Social, os monarquistas (direita da época) sustentavam o controle da economia pelo Estado, enquanto os revolucionários (esquerda da época) pregavam a liberdade econômica.

Hoje a situação se modificou: é a direita que condena a intervenção do Estado na economia, ao passo que a esquerda reclama. Nem sempre há uma relação direta entre interesse econômico e posição política. O apoio decisivo aos nazistas não foi dado pelos grandes proprietários e sim pelas classes médias. Não me parece correto dizer que alguém é da direita ou da esquerda. Mais apropriado seria afirmar: A está à direita ou à esquerda de B. Assim, o critério é o de relação.

Realmente a oposição política é uma questão de configuração histórica. Conforme a conjuntura, as posições podem inverter-se: o esquerdista de ontem se transformar no direitista de hoje e vice-versa. Daí, alguns cépticos concluírem que a esquerda, no poder, tende a "endireitar-se".

Mas, também, alguns governantes de ostensiva mentalidade direitista (apreço às elites, desprezo pelas massas, ordem muito acima da justiça) promoveram, objetivamente, mudanças esquerdistas. Exemplos: Napoleão, ao romper as relações feudais na Europa sob seu domínio, ou Bismarck, ao instituir a primeira legislação social do Ocidente.

No largo espectro da esquerda, o marxismo foi a mais elaborada e prestigiosa corrente ideologia. Surgiu no mundo industrial do século XIX como crítica do sistema capitalista. Na interpretação da História, o marxismo se baseia no materialismo filosófico: primado dos fatores objetivos (sociais e econômicos). Já a direita, de um modo geral, se inspira na filosofia idealista: predominância dos fatores subjetivos (ideais, crenças, ação dos grandes indivíduos, etc).

Marx previu uma sociedade sem classes e, portanto, sem conflitos sociais. Mas, a História não confirmou sua profecia. Toda sociedade complexa é inevitavelmente conflituosa. A democracia busca a resolução pacífica dos conflitos e nela a maioria ora pende para a direita, ora para a esquerda. A ditadura pretende abafar os antagonismos sociais pela força.

10 de dezembro de 2012
Humberto Braga

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