"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 10 de julho de 2013

A RETAGUARDA DO OBSOLETISMO


Universidade oferece curso para difundir comunismo – diz em manchete a Folha de São Paulo de hoje. Vamos à notícia:Um plano para propagar o comunismo está em curso na região de Ouro Preto, berço da Inconfidência Mineira --movimento que há 224 anos se rebelou contra a opressão de Portugal à colônia.

Ali a doutrina avança sem guerras nem luta de classes, mas por um programa de extensão da Universidade Federal de Ouro Preto, que propaga ideias comunistas a estudantes e moradores do interior mineiro desde 2012. O programa do chamado Centro de Difusão do Comunismo da Ufop tem cunho abertamente ideológico, porém, deixa de lado a apologia da revolução contra o Estado.


A Folha chegou atrasada. No dia 04 de junho passado, Ricardo Setti, da Veja, manifestava seu espanto em caixa alta ante o que, a bem da verdade, não é de espantar.
Com o suado dinheiro do contribuinte brasileiro, a Ufop mantém, sob as asas de sua Pró-Reitoria de Extensão (Proex), nada menos do que um inacreditável Centro de Difusão do Comunismo (CDC-Ufop). (TODAS AS ILUSTRAÇÕES DESTE POST FORAM EXTRAÍDAS DO SITE DESTE “CENTRO”).
Não se trata de um centro de ESTUDOS do comunismo, o que, naturalmente, se justificaria. Da mesma forma como se estudam dinossauros ou as pirâmides do Egito, o comunismo poderia, perfeitamente, ser objeto de estudos.
Nada tenho contra, nem poderia, o estudo de quaisquer doutrinas filosóficas ou de quaisquer correntes de pensamento. Estou falando DE OUTRA COISA.
Mas não se trata de estudos ou debates, vocês leram bem: uma Universidade federal abriga um centro de DIFUSÃO do comunismo. De DI-FU-SÃO! Repetindo: DI-FU-SÃO.
Quem tiver dúvidas do que significa a palavra pode e deve consultar um dicionário. Há, na Ufop, sem disfarce de espécie alguma, até um Grupo de Debate e Militância Anticapitalista. Sim, vocês leram corretamente: a universidade propõe e ensina MILITÂNCIA.
Não sei da existência de um suposto “centro de estudos” que proponha aos alunos militância política! É o fim do mundo! O perplexo jornalista parece ter nascido ontem. Na universidade e pela universidade difundiu-se o marxismo no Brasil. Quem introduziu a nova doutrina no país foi nada menos que a USP, onde até hoje resistem as viúvas do Kremlin, entrincheiradas nos cursos ditos de Humanidades.
Não é exatamente o fim do mundo, como pensa o articulista. Mas talvez o começo. Há vigarices, costumo afirmar, que exigem um certo nível de cultura para vingar. O marxismo é uma delas. Hoje, neste nosso mundo das comunicações, operário algum cairia nesse engodo.

Aliás, tenho a convicção de que foi em boa parte a mídia que derrubou o muro de Berlim. Apesar da censura soviética, as informações sobre o Ocidente varavam a Cortina de Ferro e não era mais possível tapar o sol com a peneira.

Outro engodo que exige certa base cultural é a psicanálise. Você não vai ver pessoa inculta pagando esses gigolôs das angústias humanas para consertar os traumas de sua meiga psiquê. Psicanálise exige curso universitário. Não para o psicanalista. Mas para o psicanalisando. Volto ao marxismo.

Não tendo mais futuro no mundo real dos homens reais, a doutrina, como defesa, refugiou-se no mundo irreal dos campi, onde vige uma eterna juventude e onde não encontramos os personagens de nosso dia-a-dia, o taxista, o açougueiro, o barbeiro, o garçom, a manicure, o encanador, a balconista, enfim, toda essa gente miúda que tem de lutar para se manter viva, em vez de ler teóricos e preocupar-se com a salvação da humanidade.

Mas o marxismo não poderia refugiar-se nos cursos técnicos e científicos, onde impera a objetividade e a experimentação. Só foi encontrar terreno adubado nas humanidades, onde tudo é sonho e bons propósitos.

Sou de uma época em que operários eram marxistas. E por quê? Porque naqueles dias os operários liam. Meu primeiro contato com o comunismo, já em minha adolescência, foi através de operários em Dom Pedrito.

Sempre é bom lembrar que a primeira célula comunista no Brasil surgiu em 1918, na vizinha Santana do Livramento, onde nasci, e não em 1922 em São Paulo, como pretendem os PhDeuses uspianos.

Naquela época, chegavam a Dom Pedrito dois exemplares do jornal Brasil, Urgente, editado em São Paulo por dominicanos de esquerda. Um dos exemplares era nosso, o outro do partido. Quem os distribuía era o Gerson Prabaldi, operário e militante, um dos raros comunistas que até hoje merece meu respeito.

Funileiro, patrão de si próprio, lutava por uma sociedade mais justa, nada a ver com os filhos da classe média que fizeram carreira e fortuna montados nos ideais socialistas. Final de tarde, fechava a funilaria, pegava uma bicicleta e saía a fazer seu apostolado, o porta-cargas repleto de ideologia.
Líamos as revistas China e Unión Soviética, em espanhol, mais aquele catecismo em edições mensais do PC, a revista Problemas, e muita imprensa de esquerda.

O funileiro acreditava na utopia e dedicava suas horas de lazer à construção do socialismo. Homem de uma era pré-televisiva, na qual mesmo os jornais que eventualmente chegavam a Dom Pedrito desconheciam o que se passava no mundo soviético, Gérson acreditava piamente nos panfletos vindos de Pequim ou Moscou.

Fosse um dia ao paraíso que louvava, ou tivesse melhores fontes de informação, tenho certeza de que faria marcha a ré. Era homem desinformado, mas honesto.

Em sua oficina, rodeado de pneus e aros de bicicletas, recebi minhas primeiras aulas de marxismo, baseadas em um livrinho de Georges Politzer, Curso de Filosofia - Princípios Fundamentais. Primeiras e primárias: sua argumentação simplória não me convencia.

No entanto, este divulgador menor foi bastante significativo. Em sua tentativa de trocar em miúdos o marxismo para um público operário, Politzer despe a doutrina de sua retórica e a exibe em sua indigência.

Nem por isso deixo de admirar o apóstolo da bicicleta, apesar de sua visão simplista do mundo. Com sua assessoria, argumentos para debate ideológico ou constitucional era o que não nos faltava. Enquanto os padres oblatos nos falavam em corpo místico de Cristo, estávamos mergulhados em estudos de materialismo dialético. Hoje, sabemos que as duas religiões pouco diferem uma da outra. Na época, eu julgava estar manipulando um método científico para encontrar um pouco de luz em meio às trevas clericais. Esconjuradas as trevas, acabei jogando no lixo o suposto método científico. Foi precioso como instrumento de libertação de uma fé. Eu conseguira escapar de uma religião, com não pouco sofrimento. Não estava disposto a submeter-me ao jugo de outra.

Não se fazem mais operários como o Gerson. Ser marxista, hoje, é ser filho de classe média, universitário, fazendo Letras, Sociologia, História ou cursos afins. Comunista que se preze sempre gostou do Erário. Embora as universidades privadas estejam contaminadas pelo sarampo que infestou o século passado, é nas públicas que o vírus encontra clima úmido e fértil para manter-se vivo.

O Estado tem bolso grande e ninguém cuida. Só isto explica como, em sociedades capitalistas e democráticas, ainda haja malucos sonhando com utopias desvairadas e assassinas, que a História já mandou para sua famosa lata de lixo. A universidade brasileira, que deveria ser vanguarda, sempre foi a retaguarda do atraso e do obsoletismo.

Nada de espantar que espécimes em extinção nelas encontrem carinho e guarida
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10 de julho de 2013
janer cristaldo

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