"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 10 de julho de 2013

"MARKETING E PRESSA EM MEDIDAS PARA A SAÚDE"

 
Preocupações político-eleitorais e a ansiedade da crise têm piorado a qualidade das decisões do Planalto. Como criar um serviço social obrigatório para médicos por MP
.O anúncio de cinco “pactos” feito por Dilma no início da última semana do mês passado teve a evidente intenção de reagir àquele momento de catatonia provocado pela onda de manifestações de rua pela primeira vez conduzidas à margem do PT, sindicatos e “organizações sociais” amigas. De lá para cá, os tais pactos desinflaram, enquanto a mobilização perdeu impulso — aparentemente.
 
O factoide do plebiscito em 2014 parece ter virado pó no Congresso. Os R$ 50 bilhões para o transporte público são dinheiro antigo de uma promessa velha. O aceno a favor da responsabilidade fiscal é mais do mesmo, não tem credibilidade até demonstrações firmes do governo de que pratica o que prega. O pacto da Educação é assunto também recorrente, assim como a Saúde. Neste último, o Planalto avançou, na segunda, ao confirmar a intenção de facilitar a imigração de médicos, para compensar a indiscutível falta de profissionais em cidades menores.
 
Como toda ação governamental precisa levar um nome, este é o programa Mais Médicos. A reação corporativista contrária a ele, de sindicatos e conselhos, foi apenas amplificada com a confirmação do que já se anunciava. A categoria insiste que basta dar condições salariais e de trabalho em geral que o problema será resolvido. Não é o que os números indicam: no país, há apenas 1,8 médico por grupo de mil habitantes, enquanto nos Estados Unidos o índice é de 2,4, em Portugal, 3,9 etc. Por isso, 3 mil dos 5,5 mil municípios brasileiros não contam com médicos.

A alternativa da importação de mão de obra é indiscutível. Porém, como reclamam os representantes de classe, os imigrantes precisam ter comprovada a qualificação profissional. Seja pelo Revalida (revalidação de diplomas) ou por outro sistema de testes. Estará em jogo — como já acontece — a saúde da população pobre brasileira. Mas que a avaliação não seja usada para manter o mercado de trabalho reservado para escassos brasileiros.
 
A pressa inerente ao interesse de marketing político para passar a imagem de um governo ativo neste momento de crise está mais visível na medida provisória que estende o curso de Medicina por mais dois anos, período em que os formandos prestarão uma espécie de serviço social compulsório na rede do SUS. Há vários aspectos negativos na invenção. A primeira delas, incluir os médicos de escolas privadas.
 
Faz sentido que profissionais formados em universidades públicas, bancados pelo contribuinte, deem, desta forma, um retorno à sociedade. Mas não quem depende do próprio dinheiro ou de familiares para estudar.
 
Também é insensato baixar uma política como esta, muito polêmica, por MP. O instrumento ideal é o projeto de lei, para ser aperfeiçoado no debate no Congresso. Mesmo porque a MP só valerá para estudantes matriculados em 2015, a se formarem em 2021. Ora, a Saúde precisa de ações de retorno mais rápido, não para surtirem efeito em sete anos. O marketing político e a ansiedade têm piorado a qualidade das decisões de Palácio.

10 de julho de 2013
editorial de O Globo

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