"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 10 de julho de 2013

"FELIZ ERA ROMA, COM SEU INCITATUS SEM SUPLENTE"

 


Uma sugestão de exercício para você que está convencido de que, com o ronco das ruas, a democracia brasileira pode melhorar, deve melhorar, tem que melhorar: finja que é agora, faça cara de quem não tem dúvidas de que vai dar tudo certo. Muito bem. Agora pense no Senado. Desanimou, certo? É impossível pensar no Senado e continuar fingindo que o Brasil inteiramente outro que o meio-fio deseja já pode ser apalpado.
 
Na noite passada, o Senado informou ao país que sua disposição para atender aos anseios do asfalto tem limites. Depois de questionar o direito de Renan Calheiros ao Bolsa FAB, a turba queria impor freios à mamata dos suplentes. E os senadores: as ruas que nos perdoem, mas os suplentes são sagrados.
 
Foi a voto um projeto de José Sarney. Nada revolucionário. Uma meia-sola. Previa: 1) em vez de dois, cada senador teria apenas um suplente. 2) Não poderia ser o cônjuge ou parente consanguíneo; 3) o suplente só substituiria o titular em caso de licença temporária. Na hipótese de impedimento definitivo —morte ou renúncia— o substituto seria eleito na eleição subsequente (municipal ou nacional).
 
Se quisesse mesmo ser levado a sério, o Senado votaria a extinção dos suplentes. Vagando uma cadeira, assumiria o candidato derrotado que houvesse somado mais votos. Mas nem a meia-sola do Sarney os senadores quiseram aprovar. Num colegiado de 81 senadores (17 dos quais suplentes), 64 deram as caras. Como se tratava de emenda constitucional, o placar mínimo para a aprovação era de 49 votos. Apenas 46 disseram “sim”. Outros 17 votaram “não”. Um se absteve.
 
Getúlio Vargas dizia que “política é esperar o cavalo passar”. No Senado, o alazão se chama “suplência”. Cavalgando o prestígio eleitoral alheio, empresários, parentes e apaniguados chegam ao Éden de todos os privilégios sem amealhar um mísero voto. O titular da vaga nem precisa morrer. Basta que assuma algum cargo no Executivo para que o sem-voto vire senador.
 
Os exemplos abundam. Lobinho no lugar de Lobão. Garibaldi pai na cadeira de Garibaldi Filho. Ausentando-se o líder do governo Eduardo Braga, assumirá a mulher dele, Sandra Braga. Na legislatura passada, morreu ACM. Foi à poltrona o filho ACM Júnior. Há casos em que o dinheiro falam mais alto que os laços familiares. O sujeito nem precisa ter princípios. Basta que disponha dos meio$.
 
Num cenário como esse, para cada razão apresentada pelas ruas para fazer o que deve ser feito, o Senado apresentará três dezenas de desculpas para não fazer. Feliz era Roma, que tinha um Incitatus. Incitatus, você sabe, era o cavalo que o imperador Calígula nomeou para o Senado romano. O bicho tinha 18 assessores. Usava um colar de pedras preciosas. Dormia envolto em mantas de cor púrpura. Mas não tinha suplente nem voava de FAB.

10 de julho de 2013
Josias de Souza, UOL

Nenhum comentário:

Postar um comentário