"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 10 de julho de 2013

GISELE BÛNDCHEN PARA PRESIDENTE

Não há um projeto para o país? É o marqueteiro que diz o que deve ser feito quando o povo sai às ruas?
 
Na esteira das manifestações, há uma questão pouco comentada, que me chocou profundamente. Nas reuniões para decidir a reação ao movimento das ruas, a presença de João Santana, competente marqueteiro do PT, foi constante.
 
Me perguntei: o marketing substituiu o ideal?

 Nos Estados Unidos, existem republicanos e democratas. Quem vota sabe, ao escolher o partido, que plataforma está elegendo. Aqui, com a política de alianças a qualquer custo, a situação é semelhante a casamentos entre chimpanzés e tartarugas, minhocas e jiboias. Não foi à toa que a deputada Luiza Erundina, num gesto de significado histórico, deixou a candidatura à vice-prefeitura de Fernando Haddad para não subir ao palanque com Paulo Maluf, de quem foi sempre ardente opositora.

Tudo o que falo seria chover no molhado se não fosse a importância dada ao marqueteiro nas recentes reuniões presidenciais.
 
Então, não há um projeto para o país? É o marqueteiro que, no momento em que a população vai às ruas pedindo o fim da corrupção, diz o que se deve fazer?
 
Já se sabe, os candidatos não fazem nenhuma questão de cumprir o que prometem. Quando a presidente Dilma Rousseff prometeu, na campanha, o trem-bala, fiquei felicíssimo. Já andei de trem-bala no Japão. Adorei. Numa distância semelhante à do Rio de Janeiro a São Paulo, apenas uma hora e meia. Sem ter de chegar antes, podendo usar a internet o tempo todo.
 
Quem, como eu, usa sempre a ponte aérea, sonha com um meio de transporte tal que uma simples chuva não cause um caos absoluto no sistema. Resumindo: fiquei entusiasmado com a proposta da candidata. Mas o trem-bala nem sequer foi licitado! Houve algumas tentativas – e não se fala mais no assunto.

 Questões decisivas para o país se transformaram em questões de marketing. Há questões que nunca são levantadas, porque podem não cair bem. Uma delas o aborto. Inicialmente, a candidata Dilma disse que deveria ser tratado como questão de saúde pública. Em tese, isso implicaria a descriminalização. Com medo de pôr em risco a vitória nas eleições, apressou-se a prestar homenagens a Nossa Senhora Aparecida. Independentemente de ser contra ou a favor do aborto, cadê seu projeto político? Pior ainda, a sinceridade foi trocada pela publicidade?

 Se o marketing tomou o lugar dos partidos, por que precisamos de políticos? Seria melhor, nas próximas eleições, contratar pessoas do agrado do público, como aliás já foi feito com a eleição do palhaço Tiririca como deputado. Não seria melhor lançar Gisele Bündchen como candidata à Presidência? É bonita, causaria boa impressão diante dos sisudos políticos internacionais. E os marqueteiros diriam o que deve prometer. Em caso de crise, o que fazer. O único senão é que as contas de cabeleireiro de Gisele seriam provavelmente maiores que as de Dilma.

 Um dos contos mais lindos do dinamarquês Hans Christian Andersen se chama “A roupa nova do imperador”. O monarca é enganado por um bandido que se faz passar por alfaiate. Segundo promete, criará o traje mais maravilhoso do mundo para o imperador. Tão maravilhoso que só as pessoas inteligentes poderiam vê-lo. O tal alfaiate finge medir, cortar e costurar um tecido inexistente. A notícia se espalha. Imperador, cortesãos, todos fingem admirar o corte e a beleza do traje, pois ninguém quer ser acusado de obtuso. Finalmente, o imperador marca o dia para mostrar a nova roupa. Desfila pelas ruas do reino, e todo o povo emite sons de aprovação, elogios de todo o tipo. Ninguém quer passar por menos inteligente que os outros. Até que uma criança grita:

– O rei está nu.

 E todo o povo se conscientiza da verdade que só a inocência de uma criança poderia enxergar. A massa grita que o rei está nu. Tomando consciência da própria nudez, o imperador foge envergonhado. O falso alfaiate já está longe, com as riquezas que cobrou pelo traje inexistente.
 
A força que os marqueteiros tomaram nas últimas campanhas eleitorais e, agora, para meu espanto, nas decisões sobre como reagir às manifestações me lembram muito o falso alfaiate. Eles partem do princípio de que o povo pode ser conduzido por pesquisas e projetos publicitários. Se é verdade, por que não detectaram antes a insatisfação popular?

 A publicidade não pode substituir a ideologia. O político que acreditar profundamente em seu projeto terá algo a dizer ao povo. Só quem tiver um ideal falará com nossos corações. 
 
10 de julho de 2013
WALCYR CARRASCO - Época

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