"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 4 de julho de 2013

CVM EMITE NOTA SOBRE O CASO EIKE, MAS NÃO CONSEQUE JUSTIFICAR FAVORECIMENTOS


Na manhã de hoje, a Comissão de Valores Mobiliários emitiu uma nota, em seu site, datada de ontem, sobre sua conduta a respeito do escândalo envolvendo a derrocada das ações da OGX.

A simples leitura da nota mostra que ela tem por objetivo esconder, numa cortina de fumaça, a omissão da autarquia no episódio, na vã tentativa de afastar sua responsabilidade civil por falta no dever de fiscalização (faute em service), bem como é destinada aos bobos e otários em geral.


Leia-se a nota, encaminhada ao mercado:

“Dentro de sua esfera de competência, a CVM confirma que, conforme pode ser verificado em seu site, vem, na sua rotina de supervisão, apurando fatos envolvendo a OGX Petróleo e Gás Participações S/A e outras companhias do mesmo grupo, incluindo aqueles recentemente divulgados na mídia.
Nesse sentido cabe ressaltar que:

(i)
a Lei que criou a CVM (6385/76) e a Lei das Sociedades por Ações (6404/76) disciplinaram o funcionamento do mercado de valores mobiliários e a atuação de seus participantes. Entre esses encontram-se as companhias abertas, seus controladores, administradores, seus investidores, bolsa de valores e intermediários;
 
(ii)
a Autarquia tem poderes para disciplinar, orientar e fiscalizar a atuação dos diversos integrantes do mercado de valores mobiliários. Seu poder regulador abrange todas as matérias referentes ao mercado;
 
(iii)
a Lei atribui à CVM competência para apurar, julgar e punir irregularidades eventualmente cometidas no mercado. Nesse contexto, diante de qualquer possível desvio de conduta, a Autarquia inicia uma apuração específica dos fatos que pode levar a abertura de um procedimento sancionador;
 
(iv)
a atividade de supervisão da CVM realiza-se, dentre outras ações, pelo acompanhamento da divulgação de informações relativas a companhias abertas, demais participantes do mercado e aos valores mobiliários negociados;
 
(v)
as informações sobre a existência de processos administrativos em trâmite na CVM, as partes envolvidas e a última movimentação interna podem ser pesquisadas na página da Comissão na Internet (www.cvm.gov.br), no link ‘Consulta a Processos’, a partir, por exemplo, do nome da companhia envolvida;
 
(vi)
ressalta-se que a pesquisa acima citada não inclui apurações preliminares, investigações ou processos que estejam tramitando em sigilo.
Diz-se “endereçada aos bobos e otários em geral”, porque versando a questão sobre fato de interesse público, a alegação de sigilo tem ranço de acobertamento, já que a própria lei que criou a CVM (Lei nº 6.385/76) é peremptória em autorizar a disclosure de informações neste caso:

Art. 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2º do art. 15, poderá:

§ 3º.  Quando o interesse público exigir, a Comissão poderá divulgar a instauração do procedimento investigativo a que se refere o § 2º.

Como se vê, a CVM vem praticando atos irrazoáveis e atécnicos no episódio, muito diferente daqueles praticados em outros casos similares, onde atuou com rigidez, tornando verdadeira, assim, a odiosa fórmula segundo a qual “para os amigos tudo; para os inimigos, os rigores da Lei”. Num momento em que o Brasil vive a esperança de mudança e transparência, pode-se dizer que a CVM está na contramão da história, deixando de informar ao mercado a existência de fatos de interesse público de que tem conhecimento a respeito da OGX e demais companhias de Mr. X, muito embora a própria lei que a criou autorize, expressamente, a divulgação dessa espécie de informação.

NO ÍNDICE

Por outro lado, como a Tribuna já teve oportunidade de noticiar aqui, em primeira mão, nada justifica que a BM&FBOVESPA continue mantendo as ações da OGX na composição do índice Ibovespa; nada justifica (ou justificava) o aumento do peso das ações da OGX no índice, realizado, há 3 (três) meses, pela Bolsa; e, nada justifica que a CVM nenhuma providência tome, diante desses fatos, em relação à BM&FBOVESPA e à OGX, ainda a mais quando a própria lei que a criou prescreve ser seu dever:

Art. 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2º do art. 15, poderá:

§ 1º Com o fim de prevenir ou corrigir situações anormais do mercado, a Comissão poderá:
§  § 1º com redação dada pelo Decreto nº 3.995, de 31.10.2001.
I – suspender a negociação de determinado valor mobiliário ou decretar o recesso de bolsa de valores;
II – suspender ou cancelar os registros de que trata esta Lei;
III – divulgar informações ou recomendações com o fim de esclarecer ou orientar os participantes do mercado;
IV – proibir aos participantes do mercado, sob cominação de multa, a prática de atos que especificar, prejudiciais ao seu funcionamento regular.

Parece claro que a CVM se demitiu dos seus deveres, pois não há qualquer razão lógica para não ter suspendido, ainda, a negociação das ações da OGX, já que, enquanto as bolsas de todo o mundo sobem, a bolsa brasileira experimenta flagrante derrocada, em virtude do esvaziamento do valor das ações da OGX. O que está a esperar a CVM? As ações virarem pó, como se diz no jargão do mercado financeiro e de capitais?

Ou será que a CVM não entende que esta é uma situação anormal de mercado? Bom, depois de ter absolvido Cavendish, tudo pode acontecer.

COMPROMISSO???

Outro ponto, no mínimo intrigante, a respeito da atuação da CVM (ou melhor: a falta de), diz respeito ao fato de que Mr. X tinha um compromisso com a OGX de adquirir ações da empresa ao valor de R$ 6,30 por ação, totalizando uma injeção de capital de até R$ 1 bilhão, através de put (opção de venda a ser exercida pela empresa) cada vez mais distante, até porque condicionada à verificação de certos requisitos pelos Conselheiros da companhia, os quais vem abandonando o barco, como é exemplo a recente saída de Pedro Malan, Rodolfo Tourinho e Ellen Gracie. Em outras palavras, se quem deveria verificar as condições para concretização da operação está indo embora – e o último a sair, por favor, apague a luz – já se vê que ninguém será responsabilizado quando o calote de Mr. X se concretizar, nas barbas da CVM.

Está então explicado porque a CVM funda num sigilo que não existe a negativa de prestar informações de interesse público, ao mercado, como exige a lei. É que ela já assinou o recibo de calote passado por Mr. X, recibo este entregue por ele tanto ao mercado quanto ao seu Xerife.
A omissão específica da CVM – que tinha o dever de fiscalizar e os meios para tanto – chega, assim, às raias da conivência.

Enquanto escrevo Mr. X foi “renunciado” do Conselho de Administração da MPX, pelo BTG Pactual e pela E.ON (ou será que algum ingênuo acredita que ele renunciou espontaneamente?); mas, também enquanto escrevo, a CVM continua se omitindo no caso da OGX, divulgando notas manifestamente rendadas e enfeitadas, propositadamente obscuras, que ao invés de esclarecer o mercado, só se presta a mantê-lo em dúvida.

Mas o pior da nota nem é a sua obscuridade latente e manifesta. O pior é saltar aos olhos que quem a escreveu, o fez com fundado conhecimento de causa, na certeza de que os bobos e otários em geral jamais verificariam, na lei,  a fragilidade do que na nota vai dito, ou seja, que é dever da CVM manter um sigilo cujo resguardo a própria lei excepciona.

Agora é esperar que a CVM cumpra com seu dever – suspendendo as negociações das ações da OGX, e determinando à Bolsa que as retire da composição do índice Ibovespa, o quanto antes – ou que o Ministério Público Federal, defensor da sociedade, obrigue a CVM a cumprir sua obrigação legal de fiscalizar e regular o mercado.

04 de julho de 2013
Carlos Newton

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