"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 4 de julho de 2013

EM MEIO A TANTOS GASES LACRIMOGÊNEOS, FICAM CALMOS



 Há 60 anos, em 17 de junho de 1953, eclodiu uma ampla revolta popular na então Alemanha “comunista”.
 
O levante foi aplastado por tanques russos estacionados em Berlim Oriental. Até hoje não se sabe exatamente o número de mortos. Estudiosos dizem que foram mais de 50.
Contar-se-ia às centenas o número de feridos e de manifestantes que foram presos e condenados a pesadas penas restritivas de liberdade.

O movimento havia se iniciado com um protesto de trabalhadores da construção civil contra o aumento da jornada e do ritmo de trabalho sem o respectivo aumento de salários. Expandiu-se, e, ao fim do dia, reivindicavam-se eleições livres no território da“República Democrática Alemã”. Ali implodiu o sonho de muitos que militavam por justiça social com liberdade.
 
O dramaturgo berlinense Bertold Brecht, até então um entusiasta do regime, externou sua decepção por meio de um poema: “A (dis)solução”. Escreveu o poeta: “Depois do levante de 17 de junho, o secretário da Liga de Escritores mandou distribuir panfletos na avenida Stalin, nos quais se lia que o povo não gozava mais da confiança do governo.
E que só poderia reconquistá-la se trabalhasse em dobro. Não teria sido mais simples se o governo dissolvesse o povo e escolhesse outro?”.

Coincidentemente, no mesmo dia 17 de junho, 60 anos depois, centenas de milhares de jovens brasileiros foram às ruas: contra o custo de vida, contra os gastos exorbitantes com as festas da Fifa, contra a corrupção, contra a violência policial.
A imensa maioria, talvez, nem soubesse da coincidência. Provavelmente nem tenham ideia de que já houve um “socialismo real” que sufocou a mais generosa das utopias.

UM IDEÁRIO CONFUSO

O ideário que ora circula pelas nossas ruas é confuso. Misturam-se palavras de ordem e reivindicações que deitam raízes nas extremidades do espectro político.
Em nome da liberdade, muita intolerância. Para alguns, quem sabe, uma folia que atenderia a convocação de um comercial da Fiat: “A rua é a maior arquibancada do Brasil”, diz a música do Simoninha, na voz do Falcão, especialmente elaborada para a propaganda.

O certo é que a juventude está manifestando a sua insatisfação com a falta de perspectivas e contra uma elite política alienada, que mais parece estar em Marte, frente às expectativas da rapaziada que “vai em frente e segura o rojão”, diria o Gonzaguinha.

Desqualificá-los como “baderneiros”? Criticá-los porque não respeitam os ritos e as mesuras da democracia representativa? Pois é exatamente a falta de sintonia entre a representação política e os “representados” que está posta em xeque!
Ou vamos querer também que o governo dissolva o povo e escolha outro? O mesmo Brecht nos ensinou: “Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas as margens que o comprimem”.

“Os sonhos não envelhecem”. E não envelhecerão se os moços que estão nas ruas não forem tomados de assalto pelo “analfabeto político”, do qual também nos falava Brecht. É preciso ter cuidado, pois esse analfabeto político sempre palpita dentro de nós.

04 de julho de 2013
Sandra Starling

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